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13.11.06

The Departed: Entre inimigos



Como é sabido, 'The departed' é um remake do filme de culto (e campeão de bilheteira em Hong Kong) 'Infernal Affaires', realizado em 2002 por Andrew Lau e Alan Mak. Se começo por aqui é porque as similaridades entre os dois filmes são inegáveis: não só o argumentista William Monahan segue de muito perto a história original, como algumas das cenas mais marcantes - o encontro no prédio, o contacto telefónico entre os dois infiltrados, a cena no elevador - são comuns aos dois filmes. 'Infernal affaires' é um muito bom filme e não há dúvida que 'The departed' lhe deve muito. É assim normal que o brilho deste surja para muitos - que não para mim - empalidecido pela sombra do primeiro. Recorde-se no entanto que, como já tem sido notado, as coisas são mais complexas do que parecem: todo o cinema de acção de Hong Kong, de que 'Infernal Affaires' é um excelente exemplo, deve muito ao realizador de 'Mean Streets' e 'Goodfellas'. Um filme passado no submundo do crime, com personagens moralmente ambiguas, à procura de si mesmas...a que é que isto nos soa? Scorcese? Right.
Posto isto, e sendo eu admirador do filme original, como já disse, penso que 'The Departed' é um filme mais denso. Scorcese dispensa a economia narrativa do primeiro (o seu filme tem quase mais 1 hora) a favor de um olhar mais prolongado sobre as suas personagens, nomeadamente a de Billy Costigan/Leonardo diCaprio - o infiltrado que a policia tem no grupo de gangsters. Os dois chefes (este é todo um filme de simetrias, ou usando um palavrão -de Doppelgänger) são também mais desenvolvidos, bem como as relações existentes entre eles e entre os seus protegidos, muito pelo peso imposto pelos actores que os encarnam, Martin Sheen (o polícia) e claro, Jack Nicholson (o gangster) - já alguém viu Nicholson ser verdadeiramente um actor secundário? Mas voltemos a DiCaprio, que finalmente mostra porque é que Scorcese viu nele o sucessor de DeNiro, tendo uma performance notavel de vulnerabilidade mal disfarçada, e roubando com a cumplicidade descarada do realizador o filme a toda a gente (incluindo o seu doppelgänger Matt Damon - o infiltrado pelo chefe da Mafia na policia). Costigan está desde o principio marcado pela sua origem, mas paradoxalmente anda o filme todo à procura da sua identidade. Cresceu nos bairros dominados pela Mafia, é de ascendência italiana, tem parentes ligados à criminalidade - em suma, vem do lado dos 'maus'. Apesar de uma brilhante carreira na academia é-lhe logo dito sem rodeios pelo seu futuro chefe que nunca será um polícia. Só lhe dão uma hipótese de o ser: infiltrando-se entre os seus, ou seja, fingindo ser aquilo que seria natural pela sua história ser. Os seus antecedentes, contrariamente à sua vontade, tornam-no a pessoa ideal para esta missão. Apesar de escolher o lado dos 'bons', a sua 'árvore de decisão vital', como lhe chamam os filósofos, está limitada pelas suas origens e para alcançar o fim que deseja tem que tomar um caminho alternativo que é o único que lhe é permitido. Costigan, infiltrado anos a fio no meio da Máfia, sem poder revelar a sua verdadeira identidade, vai-se sentindo cada vez mais angustiado e perdido, ao ponto de implorar à sua psicóloga que lhe dê drogas para poder dormir - para poder escapar algumas horas ao mundo 'real'. Da mesma maneira que Sharon Stone em 'Casino' (a última obra-prima de Scorcese) se perdia e perdia deNiro por não se conseguir libertar do seu passado (James Woods) e fingir ser quem não era, também aqui DiCaprio se vai perdendo ao fingir ser quem não é, estando desde o início marcado pela sua ascendência. Aliás, pode-se dizer que todas as personagens estão marcadas por este jogo de fingimentos, por este jogo de espelhos. Não é por acaso que o filme se chama 'The Departed' - os defuntos, à letra. E por isso faça todo o sentido que o final seja diferente do de 'Infernal Affaires'. E que ironicamente, para este suposto 'happy ending', tenha que haver mais uma morte que no seu precedente ...
The Departed, E.U.A., 2006. Realização: Martin Scorcese. Com: Leonardo DiCaprio, Matt Damon, Jack Nicholson, Mark Wahlberg, Martin Sheen, Ray Winstone, Vera Farmiga, Alec Baldwin.

4 comments:

Hugo said...

Scorsese vintage, diria eu (apesar de ser um Remake)

Unknown said...

O melhor desde 'Casino'.

Pedro Ludgero said...

No Scorsese, a origem social é trágica porque os personagens saem dela sem dela na verdade sairem. Não haverá nenhuma relação perversa deste género entre o original e o remake? (Pergunto-te porque não vi "Internal Affairs")

Abraço

Unknown said...

É uma boa questão, é mesmo impossível ignorar a questão do remake. Numa entrevista que li com Andrew Lau, este dizia não gostar do filme do Scorcese...