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26.3.07

O caimão



Nanni Moretti fez o seu filme anti-Berlusconi de uma forma algo diferente do que se estaria à espera. Em vez de algo do género 'documentário-ficcionado', optou por uma comédia sobre um produtor de filmes série Z com uma costela reaccionária que, meio por acaso, acaba a produzir um filme... anti-Berlusconi.
Moretti tem repetido que é preciso levar Berlusconi muito a sério, e talvez por isso se tenha lembrado das palavras de Kundera, de que o trágico nos oferece a bela ilusão da grandeza humana, e tenha assim optado pelo cómico. O filme desenvolve-se num registo excessivo, por vezes quase pícaro, fazendo-nos a personagem principal, o tal produtor de filmes rasca, lembrar não só o Moretti pré-'O quarto do filho', como certas personagens das antigas comédias à italiana.
Inteligentemente, em vez de pegar o touro pelos cornos, Moretti anda à volta de Berlusconi, desdobrando-se 'O caimão' em episódios paralelos, que mais do que do ex-primeiro-ministro, nos dão o retrato da Itália contemporânea, nunca deixando o realizador que o grande tema abafe os outros subplots: os problemas familiares do produtor (tal como Moretti os teve com a sua separação), os seus problemas para levar o filme avante, os jogos de futebol do filho, a vida familiar da realizadora, etc. Aliás, num achado genial, o retrato de Berlusconi, um homem que fabricou a sua imagem na televisão, é-nos dado em múltipos retratos em que realidade e ficção se estão sempre a misturar: além do Belusconi himself das imagens de arquivo, há o Berlusconi de um sonho, e há os Berlusconis do filme dentro do filme, primeiro o de Michele Placido (fabulosa personagem) e, finalmente, o de... Nani Moretti.
Apesar de por vezes parecer um pouco descosido, 'O caimão' é um regresso em grande forma do melhor realizador italiano da actualidade, não por acaso de volta aos terrenos onde se move melhor: o filme eminentemente politico, mas sempre com uma forte dimensão pessoal e uma ironia cortante.
Il caimano, Itália/França, 2006. Realização: Nanni Moretti. Com: Silvio Orlando, Margherita Buy, Jasmine Trinca, Michele Placido, Elio De Capitani, Giuliano Montaldo, Nanni Moretti.

3 comments:

Hugo said...

Eu só acho que o filme se perde um bocado no dramalhão do produtor. Mas mais do que um filme no filme, este é um belo filme sobre filmes (com intermezzo para a reflexão sobre a Itália).

Luís A. said...

Ainda não vi, mas se fôr tão bom como La Stanza del Figlio ou o sublime Caro Diário, será sem dúvida mais uma grande obra do mestre Moretti.

Já agora fica o convite para passares pelo meu blog e dares as tuas opiniões.
Abraço
Luís

rtp said...

Vi o filme e gostei muito. A história dos factos políticos sobejamente conhecida e o drama pessoal cheio de verosimilhança entrelaçam-se com mestria, num conjunto muito bem construído. É um filme imperdível de onde se podem tirar lições válidas para um contexto que ultrapassa a Itália (a Italiazinha, como se diz no filme!)