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6.9.10

Um homem singular


Pouco a pouco continuo a pôr em dia a agenda cinematográfica, vendo uma série de filmes que me escaparam na estreia. Deste, basicamente, tinha ouvido dois tipos de opinião de amigos: dos que o acharam uma obra-prima e dos que o acharam um spot publicitário de duas horas. Eu, munido de um saudável preconceito, inclinava-me a priori para a segunda, pelo simples facto de a realização ser de um estilista (ou costureiro, ou lá como é que se diz).

E, de início, o guarda-roupa imaculado, a fotografia estilizada, e dois ou três grandes planos ao ralenti até pareciam confirmar esta estética a la anúncio publicitário ou à vídeoclip (águas perigosas: o único realizador de cinema que conheço que se move bem nelas é Wong-Kar Wai).

Mas os meus piores medos não se confirmaram. Não só Tom Ford não se excede, como tem, de facto, um controlo rigoroso da mise-en-scène. E, factor decisivo, uma grande interpretação de Colin Firth faz efectivamente a sua personagem ser mais do que um excelente corte de cabelo e uns irrepreensíveis fato e gravata. O seu alheamento do mundo depois da morte do seu amado, o seu sentimento irreparável de perda, transpira para o espectador na proporção inversa da sua contenção (da personagem e do actor).

Talvez o contexto em que a história decorre não seja suficientemente explicitado (temos só a visão da personagem de Julianne Moore para isso), talvez o filme seja sempre demasiado “bonitinho”, ou “limpinho” (essa sensação nunca me largou totalmente), não atingindo – para o bem ou para o mal – a carga de um Tod Haynes, por exemplo, mas é indubitavelmente uma estreia marcante e Ford um nome a reter também por razões cinematográficas.

A Single Man, E.U.A., 2009. Realização: Tom Ford. Com: Colin Firth, Julianne Moore, Nicholas Hoult, Matthew Goode, Jon Kortajarena.

6 comments:

JB said...

Uma noite destas pensava sobre este filme. Como filmar a perda? Palavras atrapalhariam, pelo que se optou pelas imagens. As mais bonitas possíveis: superfície que esconde o imenso vazio. A razão pela qual há tanta gente a odiar o filme é mais ou menos a mesma pela qual muitos consideraram Ophüls meramente um «esteticista» e jamais reconhecerão Sirk como um grande cineasta (que obviamente foi, e que obviamente Tom Ford conhece): é difícil, para a maioria das pessoas, ir para além da superfície. É muito mais cómodo quando o filme nos esfrega na cara um «toma lá, que sou profundo». Atacar um filme com um «estética de spot publicitário» é preguiçoso. O que é isso, estética de spot publicitário? É tudo sucessão de fotogramas, e o cinema é uma sucessão de fotogramas livre, não necessariamente subordinada à recepção imediata do espectador (ao contrário da publicidade), pelo que se algum pudesse «apoderar-se» da estética do outro seria a publicidade, porque o cinema, enquanto possibilidade de sucessão de imagens, é infinito.
E agora demos as mãos, irmãos, e oremos.
Considero o «A single man» um belo filme, mas quero crer que será mais o tempo a revelá-lo. Acho que se tornará num pequeno objecto de culto, não sei bem porquê.
Curiosamente o Wong Kar-Wai vai escapando desses epítetos, também não entendo porquê. Eu adoro WKW, mas nunca o considerei um cineasta muito «profundo», todo o seu cinema é um jogo, e muitas vezes mais formal que outra coisa. Bom, e por mim tudo bem, que adoro-os todos, que o meu tipo de cinema (o meu «eixo», como dizia um amigo meu, hoje, em conversa) é este.
Agora tens que ver o «Io sono l'amore», que está no mesmo eixo que o do Tom Ford.

Unknown said...

É sempre bonito quando os comentadores dão lições ao bloguista.

Quando falo em 'estética spot publicitário' penso em algo tipo os anúncios da Martini (muito estilo, muito ambiente, etc.),
penso que percebes a ideia.
Eu de facto não sou grande fã de Ophüls, e muito menos de Sirk, mas por motivos diferentes (o melodrama "carregado" não é muito my cup of tea). Já do WKW gosto muito de alguns filmes.
Mas nada de generalizações excessivas, eu sou mais de gostar de filmes que de realizadores, tirando o Hitch não há cineasta que não tenha filmes de que eu não goste.

Quanto ao Io sono l'amore já vi e gostei, deve estar aí algures um post sobre ele ..

Gonçalo Lamas said...

Descobri hoje o teu blog, e fiquei impressionado com a qualidade.

Pessoalmente, considero UM HOMEM SINGULAR um dos poucos filmes geniais dos últimos anos. Tom Ford hipnotiza o espectador, captando o sentimento humano numa dimensão de profundidade dramática imensa, dando uso de uma sensibilidade estética absolutamente singular.

Deixo-te o convite para visitares o meu blog: CineGlam7.

Cumprimentos,

Gonçalo Lamas

cineglam7.blogspot.com

Unknown said...

Obrigado, vou visitar.

mariana said...

Pessoalmente achei um filme bem conseguido. Principalmente pelas tais razões cinematográficas. Muitos dos filmes que por aí andam buscam a sua força no argumento, e Um Homem Singular, para além do argumento tem também uma combinação de boa fotografia, cinematografia, guarda-roupa,... boa caracterização dos espaços e uma rara compreensão, utilização e interacção dos mesmos com os personagens...por vezes um bocado formal de mais para o meu gosto, mas não deixei de me espantar com a explosão de cor no ecrã sempre que o personagem principal encontrava algum tipo de ligação emocional com outra pessoa. Claro que se nota que o Tom Ford viu algumas coisas, assim como se notam alguns fetiches...mas quem me dera que os anuncios da martini tivessem metade da grandeza artística deste filme.

Achei que a banda sonora não esteve à altura...

Unknown said...

é isso mesmo.