Seis anos depois de David Cronenberg ter atribuído uma polémica Palma de Ouro a 'Rosetta', o ano passado foi a vez de Emir Kusturica dar o prémio máximo de Cannes aos irmãos Dardenne por este 'A criança', preterindo, entre outros candidatos sonantes, 'Uma história de violência' de Cronemberg lui méme. O mínimo que se pode dizer é que Luc e Jean-Pierre Dardenne estão muito bem cotados entre alguns dos seus mais ilustres colegas de oficio...
A primeira sensação que se tem ao ver este filme é que os realizadores belgas não mudaram nem um milímetro nestes anos. Estamos perante o mesmo realismo cru, as mesmas histórias arrancadas ao 'outro lado' da sociedade, as mesmas personagens marginais e com um instinto de sobrevivência feroz. Mantêm também as suas qualidades e os seus defeitos como realizadores. Das primeiras, desde logo, o talento de desencantar extraordinários actores para as suas personagens: depois de Emilie Dequenne (Rosetta), temos agora Jérémie Renier (Bruno), magnifico no papel do pequeno marginal que vai fazendo o que pode para sobreviver - roubar, pedir, jogar e, um dia, vender a filha de meia dúzia de dias sem dizer nada à mãe e sua namorada. Outra qualidade que lhes aprecio é não pretenderem doutrinar-me, não me pretenderem mostrar que o mundo é injusto com os seus pobrezinhos coitadinhos com aureola de santos. Bruno é totalmente amoral, e mesmo quando no fim faz o correcto, quando tem uma espécie de acção redentora, ficamos sempre na dúvida se não o terá feito porque era o melhor para si naquele momento. Tal como em Rosetta, o instinto de sobrevivência comanda sempre, é o que determina as suas acções, e não é assim fácil tirar conclusões destas últimas cenas - e eu gostei bastante do final por causa desta ambiguidade. Quanto aos defeitos do Dardenne, enfim, digamos que os seus filmes não são para todos os estómagos - a sua vontade intransigente de realismo torna-os por vezes pesados, algo arrastados, parecendo que cada meia hora de película se multiplica por duas. Por vezes temos ideia de estar a assistir a um longo documentário sobre um tema incómodo - ou se vai para a sala com uma certa pré-disposição, ou nem vale a pena pôr lá os pés. Penso que foi Pedro Mexia quem falou uma vez de filmes bons chatos. Eis um belo exemplo!
L´ Enfant, Bélgica/França, 2005. Realização: Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne. Com: Jérémie Renier, Déborah François, Jérémie Segard, Fabrizio Rongione, Olivier Gourmet, Stéphane Bissot, Mireille Bailly.
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