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23.7.06

Ninguém sabe



Uma mãe irresponsável e estouvada vai deixando os seus filhos sozinhos num apartamento por tempo indeterminado, à medida que arranja namorados. Um dia vai de vez e deixa-os entregues a si próprios. O mais velho, Akira (o extraordinário Yagira Yuya que por este filme ganhou o prémio de interpretação masculina no Festival de Cannes em 2004), de apenas 12 anos, fica a tomar conta da familia. Durante o maior período que consegue, este vai tentando dominar a situação - tem que arranjar dinheiro, pois o que a Mãe deixa não chega, tomar conta dos irmãos que passam o dia em casa (nenhum dos miúdos anda na escola e entraram mesmo no apartamento metidos em malas, às escondidas dos senhorios), tentar arranjar amigos no meio do isolamento em que vive. 'Ninguém sabe' é de um realismo cru e seco muito próximo do documentário, não dando praticamente nenhum momento de escape ao espectador. Não há aqui um momento sentimental, ali um momento cómico, que permitam o espectador soltar uma lágrima ou esboçar um sorriso - em suma, libertar algo de dentro de si. Hirokazu Kore-eda é intransigentemente neutro, e mesmo um dos momentos mais pungentes do filme, quando Akira vai ter com os diferentes pais dos irmãos para lhes pedir dinheiro (nunca lhe passa pela cabeça roubar - esta sua honestidade intrínseca é um dos pontos mais interessantes do filme) é filmado duma forma discretíssima pelo realizador japonês, que não por acaso aligeira essas cenas com uns diálogos bem-humorados. Esta vontade de evitar o sentimentalismo, sem dúvida uma virtude, acaba no entanto por se transformar na maior limitação do filme. Penso que Hirokazu Kore-eda não aprendeu inteiramente com os mestres realistas a dosear a crueza da narrativa com os momentos que toquem, que transcendam. Não sendo fácil apontar defeitos a 'Ninguém sabe', também não será fácil recordar cenas marcantes, momentos cinematográficos que se elevem (e todos nos lembramos de meia dúzia de cenas de 'Ladrões de bicicleta', por exemplo). Mas o filme vale a pena só pelo facto de conhecermos Akira, esse rapazinho triste, muito independente, honesto e desembaraçado, que me fez lembrar os que encontramos nos livros (nada realistas!) do seu compatriota Haruki Murakami!
Dare mo shiranai / Nobody Knows, Japão, 2004. Realização: Hirokazu Kore-eda. Com: Yagira Yuya, Kitaura Ayu, Kimura Hiei, Shimizu Momoko, You.

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