Na introdução, o autor de ‘o que Sócrates diria a Woody Allen’, Juan Antonio Rivera (professor catedrático de filosofia na Universidade de Barcelona), explica-nos os seus propósitos: “Escrevi este livro como uma introdução à filosofia para amantes de cinema e, simultaneamente uma introdução ao cinema para amantes de filosofia (filofilósofos)”.
O livro é dividido em duas ‘bobinas’, uma dedicada a ‘questões psicológicas’, outra dedicada a ‘questões morais’. Fundamentalmente o que o autor faz é discutir e apresentar questões filosóficas, nomeadamente no domínio da ética, através da análise de determinados filmes. Estes podem ser clássicos como ‘The reckless moment’ de Olphus ou ‘Há lodo no cais’ de Kazan (sobre a ‘formação do gosto moral’), ‘Hanna e suas irmãs’ ou ‘Citizen kane’ (‘o que não se pode conseguir pela força de vontade’), ‘The man with the golden arm’ de Preminger ou ‘Lost weekend’ de Billy Wilder (‘como combater a falta de vontade’ - não se deixe enganar pelo titulo: a partir do conceito de metapreferências o autor discute de uma forma muito interessante a falta de vontade; não tem nada a ver com discursos de 'auto-ajuda'!); podem ser filmes mainstream mais ou menos ignorados como The Family Man (penso que por cá se chamou Dois destinos) de Brett Retner, com Nicholas Cage, longamente tratado nos capítulos ‘ outras vidas são possíveis’ e ‘a árvore de decisão vital’, em que é analisado o fascinante tema das escolhas que efectuamos em dados momentos da nossa vida, da incerteza sobre até onde essas escolhas nos conduzirão e do modo como afectarão outras pessoas além de nós – os chamados ‘efeitos borboleta horizontais’, de que também é dado o clássico exemplo de ‘It´s a wonderful time’, de Capra (qual o cinéfilo que não se lembra da cena em que o ‘anjo de segunda classe’ Clarence mostra a George/James Stwart como seria a vida na sua pequena cidade caso ele não tivesse nascido?). A propósito vale a pena citar as últimas frases deste capítulo, exemplificativas da ironia erudita e despretensiosa do autor: 'e o filme termina com uma emocionante exaltação do amor fati nietzcheano' (conceito já antes discutido, que ninguém se assuste!). E conclui : 'este é seguramente o único ponto de contacto entre Nietzche e Capra'. Temos ainda temas abordados a partir de filmes desconhecidos, como ‘o tédio como fonte de maldade’ analisado a partir de ‘Calle mayor’, de Juan Antonio Bardem - onde se prova o talento do autor pois não só nos consegue prender na mesma a atenção como nos provoca a vontade irreprimível de ver o filme em questão; e claro, temos associações mais óbvias para o leigo, como ‘a preferência ética por viver num mundo real’ analisada com base em ‘Truman Show’ e no inevitável ‘Matrix’, cujo apelo junto dos espectadores de cinema rivaliza com o que tem tido junto dos filósofos, desde Zizek (que recorde-se foi buscar o titulo do seu livro ‘Bem vindo ao deserto do real’ a uma frase de Neo) até Desidério Murcho. Como sintetiza Rivera, ‘pondo de lado a estética futurista e as psicadélicas artes marciais, o assunto de 'Matrix' parece importado da metafísica platónica'.
Apresentada a estrutura e conteúdo do livro, elogiemos agora a maneira como está escrito, de uma forma sempre muito clara, acessível e interessante, sem deixar nunca de ser rigoroso e objectivo, inscrevendo-se na linhagem anglo-saxónica de divulgação da filosofia, sem tecnicismos desnecessários mas sem atraiçoar a sua verdadeira natureza. Este feito é tanto mais notável quanto além dos filósofos clássicos como Platão ou Kant, aparecerem aqui outros mais actuais como Robert Nozick ou Jon Elster, bem como conceitos como ‘subprodutos’ ou ‘apetite de fausto’ (abordado a partir de filmes tão diversos como 'Desafio total’, ‘A rosa purpura do cairo’ e ‘The red shoes’) com que um leigo estará certamente menos familiarizado. O maior elogio que se pode fazer ao autor é que nos faz repensar os filmes que aborda e já conheciamos, nos provoca a vontade de ver os que desconhecemos e nos faz olhar definitivamente para qualquer filme com outros olhos.
2 comments:
AH AH! Tu também foste convocado :))
Eu já tenho experiência de encontros bloguisticos :)
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