'When the legend becomes fact, print the legend', diz-se em 'O homem que matou Liberty Valance', um dos maiores westerns da história do cinema (e até um dos maiores filmes da história do cinema). O tema de 'As bandeiras dos nossos pais' no fundo é esse, mas mostrando-nos os danos colaterais dessa máxima. Não importa que os soldados que aparecem na famosa fotografia de Joe Rosenthal não fossem os que arriscaram a vida para pôr a bandeira americana no cume de Iwo Jima. Eles é que ficaram na fotografia e por isso são transformados em heróis pela máquina da guerra, que precisa deles para angariar dinheiro para a sua causa. Mas, ao contrário de James Stewart no filme de Ford, aqui os três soldados não só não estão preparados para serem heróis, como sentem mesmo que estão a colaborar numa impostura. O índio Ira Hayes (o mais americano deles todos, como lhe diz hipocritamente um político) não se sente mesmo nada bem nesse papel e acaba por se afundar.
'As bandeiras dos nossos pais' tem uma estrutura complicada, com três tempos narrativos diferentes e uma montagem complexa. Há uma parte passada no presente (que serve para criar um narrador) e uma que é a parte filme de guerra propriamente dito - a tomada de Iwo Jima - que é naturalmente bem feita e eficaz, mas que não acrescenta nada ao género - é assim algo spielbergiana. Onde o filme falha, porém, é na parte que verdadeiramente interessa ao realizador e a que já aludimos. Aquele sopro trágico que anima as personagens de 'Mystic River' e 'Million Dollar Baby', está aqui tragicamente ausente. A personagem que mais incarna essa inadaptação à condição de herói à força, que mais resiste ao sistema hipócrita que alimenta e se alimenta da guerra (os políticos, as altas patentes, os negócios), Ira Hayes, é demasiadamente simplista e arquetípica. Mal põe os pés em terra, já está a afogar as mágoas no álcool - percebemos, claro, as intenções do realizador, mas pretendíamos ser tocados pela personagem, irmos entrando dentro dela - não porem-nos um cartaz à frente a dizer 'Atenção: inadaptado que se refugia no álcool'.
'As bandeiras dos nossos pais' é assim, na minha opinião, uma obra menor na filmografia dum dos maiores realizadores da actualidade. Mas não deixa de ser interessante ver como é ele a dar esta machadada na máquina da guerra, em tempos de Iraque... A liberdade de pensar por si e fazer o que lhe apetece, ninguém a tira a Clint Eastwood.
Esperemos agora pelo final de Fevereiro para assistirmos à segunda parte do díptico ('Letters from Iwo Jima'), e revermos (ou não) a nossa posição sobre este filme.
Flags of Our Fathers, E.U.A., 2006. Realização: Clint Eastwood. Com: Ryan Phillippe, Jesse Bradford, Adam Beach, Jamie Bell, Barry Pepper, Tom Verica, Paul Walker, Robert Patrick, Neal McDonough, Joseph Cross, Melanie Lynskey.
4 comments:
Essa semana tem pré-estréia aqui no RJ e eu, lógico, estarei lá. Confesso que estou mais ansiosamente pelo ponto de vista japonês do filme (como será que Clint narrará essa história sendo ele um americano?). Até porque depois que Letters of Iwo Jima ganhou o globo de ouro de Melhor filme em língua estrangeira, minha curiosidade aumentou ainda mais.
P.S: No blogue the cave (http://cave.zip.net), três filmes que destroem com o conceito de imprensa ética na sociedade em que vivemos.
Abraços do crítico da caverna.
Ironicamente, achei um filme sem sentimento. Desiludiu-me.
Na 3ª vou ver o lado japonês, que sempre me causou mais expectativa. Espero que seja superior, acredito que sim.
Sim, uma pequena desilusão.
Pequena porque, na verdade, não havia criado grandes expectativas.
Um abraço
para o Rui que se esqueceu em cima da mesa dos livros que lhe ofereci no natal.
Ah, ah,ah! Espero que estejam bem guardados ;)
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