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31.5.07

O emprego do tempo



O affair Romand é um daqueles casos fascinantes em que a realidade ultrapassa a ficção.
No dia 9 de Janeiro de 1993, Jean-Claude Romand, um respeitável pai de família, médico na OMS, matou a tiro a mulher, os 2 filhos e os pais, tendo em seguida tentado suicidar-se. Quando as autoridades começaram a investigar o caso, descobriram que toda a vida deste homem era uma gigantesca e inacreditável farsa: não era médico (nunca chegou a acabar o curso) e não trabalhava na OMS nem em qualquer outro lado: pura e simplesmente passava os dias em parques de estacionamento ou a deambular de um lado para o outro... Sobre o pretexto de investir o dinheiro em Genebra, recebia dinheiro do sogro e depois da amante, e era assim que sustentava a família, que não suspeitava de nada (nem sequer a mulher). Quando a situação se tornou insustentável e estava prestes a ser desmascarado (depois de quase 2 décadas de logro!), levou então a cabo toda esta mortandade.

Baseando-se nas investigações sobre este caso e na correspondência trocada com Romand, entretanto a cumprir pena de prisão perpétua após a gorada tentativa de suicídio, o escritor, argumentista e realizador Emmanuel Carrère escreveu um livro fascinante, uma espécie de 'romance de não ficção' a la Capote, intitulado ‘O adversário’. Em 2002 surgiu o filme homónimo de Nicole Garcia, muito fiel ao livro, e que proporcionou uma espantosa interpretação a Daniel Auteuil, no papel do melancólico e ausente Jean-Claude.

Mas o primeiro filme a basear-se neste caso foi ‘O emprego do tempo’, de 2001, que é na realidade uma variação do tema. É muito menos fiel aos factos reais (a personagem não é um médico e o final da história é completamente diferente, deixando algo perplexo quem a conhece), mas paradoxalmente, se não o soubéssemos, considerá-lo-íamos mais verosímil. Enquanto em 'O adversário' Romand vive toda a sua vida adulta na mentira, sem saber muito bem porquê (contou que uma vez, na faculdade, faltou a um exame e disse depois que tinha passado; a partir daí nunca mais voltou à 'realidade'), neste filme a questão é pegada de outra forma. Vincent é despedido e não quer ou não tem coragem de o contar à mulher. Diz então que se despediu e arranjou outro emprego. Nos meses que se seguem percorre a trajectória que conhecemos: os dias vazios, o alheamento, a mentira, os pequenos embaraços e humilhações a que vai sendo sujeito.

Cantet transpõe perfeitamente esta história para o seu universo (é também o autor de 'Recursos humanos', que faz par com 'O emprego do tempo' na edição da Atalanta) e, não obstante já ter lido o livro de Carrère e visto o filme de Garcia, senti-me outra vez invadido pela estranha melancolia que esta personagem uma vez mais inspira. Nunca ficamos indiferentes perante pessoas que passaram para o outro lado, que um dia deixam de se sentir integradas na máquina.
L'Emploi du temps, França, 2001. Realizador: Laurent Cantet. Com: Aurélien Recoing, Karin Viard, Serge Livrozet, Monique Mangeot.

2 comments:

Capitão Napalm said...

Óptimo filme.

Nuno said...

Concordo!