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2.11.07

Corrupção

Eis então ‘Corrupção’, o filme que já era famoso antes de o ser, baseado no mais badalado best-seller pátrio dos últimos tempos, o singelo ‘Eu Carolina’, e tornado ainda mais visível pela saída barulhenta do meu conterrâneo João Botelho de cena, tornando-se o primeiro filme português não assinado pelo realizador (alguma vez tínhamos que lá chegar).

Com este panorama é quase fácil demais, agora depois de o filme estar visto, fazer os inevitáveis comentários de ‘tanto barulho para isto?’, ou ‘muita parra e pouca uva’, ou outro qualquer à escolha.

Vamos então à fita: de início fui alinhando com a restante audiência, que satisfazendo as suas expectativas voyeuristicas, se ia manifestando mais ou menos ruidosamente perante sinais de reconhecimento (‘olha o Reinaldo Teles!’) ou cenas mais condimentadas envolvendo ‘O Presidente’ (na minha sala, a abarrotar, teve bastante sucesso uma cena em que ‘O Presidente’ mistura dois ovos estrelados com o arroz que está a comer…). Mas, à medida que as cenas se iam desenrolando (ou melhor, se iam sucedendo umas às outras), foi-me invadindo uma crescente sensação de tédio e, imagine-se, acabou mesmo por me passar despercebido um suposto 'momento alto', aquele em que ‘O Presidente’ pede a Sofia para acender um cigarro (diga-se que a fina ironia da situação só está ao alcance de quem tiver lido excertos do livro)…

É que no argumento é tudo assim para o vago, a maioria das cenas são desligadas e mortiças, as personagens secundárias são todas caricaturais (o juiz corrupto; o policia bom; etc.), muitas situações são boçalmente esboçadas (o árbitro que mais tarde será pago com meninas a rir-se enquanto os comentadores gritam escandalizados ‘nunca se viu isto num campo de futebol!’), a banda sonora – cuja alteração foi um dos motivos para o realizador bater com a porta – é de facto horrorosa e pior, totalmente deslocada na maioria das situações.
Em sentido contrário diga-se que Margarida Vila-Nova, uma bela actriz, defende muito bem a sua Sofia e que Nicolau Breyner compõe um Presidente (quase que me esquecia da maiúscula) que não deslustra, embora a personagem merecesse ser muito mais desenvolvida. Acrescente-se ainda a excelente fotografia de Orlando Alegria.

Nunca saberemos o que seria a ‘Corrupção’ de João Botelho (não me parece que apareça um dia um director’s cut!). Por vezes, como na viagem para Santiago, onde é dado algum tempo ao filme para respirar, entrevemos que poderia ser outra coisa; por outro lado, há problemas (como o esquematismo de personagens e situações) que parecem irresolúveis. Como está, não é carne nem peixe. Nem é um bom filme, nem sequer me parece ter chama para ser um daqueles objectos tipo ‘O crime do Padre Amaro’, com competência industrial e potencial de vendas a transpirar por todos os poros (ao contrário do que sugere o trailer, nem há em ‘Corrupção’ grande exploração de nudez ou cenas de sexo). É assim um filmezito, quase um telefilme, desenxabido e esquecível. Mas enfim, no tal país de 6 milhões de benfiquistas, não é ímpossível que seja um campeão de bilheteira.
Corrupção, Portugal, 2007. Realização: (João Botelho, não atribuída). Com: Nicolau Breyner, Margarida Vila-Nova, António Pedro Cerdeira, Alexandra Lencastre, João Cabral, João Catarré, João Lagarto.

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