Num filme em que por diversas vezes se fala em milagres, o maior de todos eles é o realizador Julian Schnabel conseguir levar o barco a bom porto. Se não com distinção, sem dúvida com nota alta.
Schnabel - que tinha como maior feito curricular no campo do cinema o facto de ter assassinado as impressionantes memórias de Reinaldo Arenas - consegue pegar na história de um homem que após ter ficado paralisado escreve um livro apenas piscando um olho, e fazer com ela várias coisas interessantes. Duas delas: rodeia o homem (Jean-Do/Mathieu Amalric) de um grupo de belíssimas mulheres (Emmanuelle Seigner, Marie-Josée Croze, Anne Consigny, Olatz Lopez Garmendia, Marina Hands), que quer o sejam por sua imaginação, quer o sejam mesmo, é um verdadeiro achado; e pega muitíssimo bem no trabalho exaustivo que todo o pessoal médico tem que ter com Jean-Do, nomeadamente no facto de terem que repetir inúmeras vezes o alfabeto até ele assinalar a letra certa. Esta ideia só se poderia conseguir mesmo à base de inúmeras repetições e Schnabel não tem medo de as fazer. Outro aspecto interessante é o facto de esta paciência extrema nem sempre derivar de altruísmo, mas de motivos egoístas: uma das terapeutas diz-lhe que é o seu primeiro 'caso' e quer fazer dele um triunfo.
Como ponto negativo fica a tendência de Schnabel para divagar, para dar rédea livre à sua costela plástica, por assim dizer. Num filme em que muito se passa na cabeça do protagonista isso seria algo inevitável, mas ainda assim há umas imagens de uns glaciares, ou algo semelhante, com uma musiquinha de fundo, que eram francamente dispensáveis. Não obstante, o tom é bastante sóbrio e nunca lamechas. Pode-se falar mesmo de um triunfo da realização sobre uma história mais do que potencialmente piegas, ou a querer dar 'lições de vida'. Pelo contrário: fica um retrato de uma pessoa que revela uma força extraordinária, mas sempre com uma enorme auto-ironia, muito humana, nada dum santo coitadinho à Laurinda Alves.
Enfim, pelo facto de eu esperar tão pouco deste filme (e deste realizador), talvez me esteja a deixar levar longe de mais nos elogios (não é certamente uma obra-prima - ainda que consiga agradar àquele público que acharia a maior lamechice com este tema uma obra-prima), mas que foi uma agradável surpresa vê-lo, lá isso foi.
Le scaphandre et le papillon, França, 2007. Realização: Julian Schnabel. Com: Mathieu Amalric, Emmanuelle Seigner, Marie-Josée Croze, Anne Consigny, Patrick Chesnais, Max von Sydow.
3 comments:
Concordo em absoluto com o teu último parágrafo ;)
E o basquiat não?
Confesso que o 'Basquiat' me deixou relativamente indiferente...
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