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17.7.08

Tropa de elite



No seu excelente ensaio sobre Kieślowski, incluído no cá recém-publicado ‘Lacrimae Rerum’, Slavoj Žižek explica que o realizador polaco se iniciou nos documentários para combater a imagem optimista e resplandecente transmitida pelos media oficiais, sujeitos à censura, mas depois concluiu que quando se filmam cenas da ''vida real'' num documentário, temos pessoas a representar o seu próprio papel, pelo que o único modo de descrever as pessoas debaixo da sua máscara protectora é passar à ficção.

José Padilha terá pensado em algo semelhante. A sua primeira obra é precisamente um documentário, 'Ônibus 174' acerca de um miúdo que sequestra um autocarro, e a sua primeira ideia para este seu mais recente filme foi fazer um documentário sobre o 'BOPE', mas depressa percebeu que não haveria policias dispostos a 'dar a cara'. E assim sendo, era impossível mostrar o que ele queria mostrar.

A primeira parte de 'Tropa de elite' mostra-nos o enorme grau de corrupção que grassa no seio da polícia brasileira, que é mais uma peça no sistema: os polícias limitam-se a arrecadar um quinhão do dinheiro da droga e assim eles e os narcotraficantes que, armados até aos dentes, dominam as favelas, convivem harmoniosamente. De caminho, Padilha arrasa os ‘meninos bem’ que vão para as favelas movidos por ‘bons sentimentos’, mas que acabam mais por ser cúmplices do status quo que outra coisa.

Na segunda parte, por contraste, é-nos apresentado o BOPE (as forças especiais da policia), sempre do ponto de vista do seu capitão: têm treino militar rigorosíssimo (‘mais elitista que o exército de Israel’), estão preparados para obter resultados por todos os meios (incluindo a tortura) e são incorruptíveis. ‘O BOPE quando entra numa favela é para matar, não é para ser morto’, resume o seu capitão.

Evidentemente que um argumento destes provocou uma pequena tempestade – o filme e o seu realizador foram apelidados de fascistas para cima – cujos dados mais visíveis foram um sucesso de bilheteira estrondoso no Brasil e um reconhecimento associado a polémica um pouco por toda a parte, que culminou na atribuição do Urso de Ouro em Berlim (por um júri presidido pelo realizador ‘esquerdista’ Costa-Gravas).

Vamos por partes: ‘Tropa de elite’ é um filme razoavelmente conservador na sua forma, com uma voz off a pontuar a narrativa, filmada de câmara à mão, mas quase sempre sóbria e acima de tudo eficaz. Padilha gere as coisas com secura e mão firme, não caindo em tentações rambescas ou excessivamente pirotécnicas ('Cidade de Deus' pareceu-me bem mais exibicionista). E -a mim parece-me claro - não endeusa ninguém.
Se Padilha é demolidor para com a polícia tradicional, o BOPE também está muito longe de ficar bem na fotografia. Quando o Capitão Nascimento diz com orgulho que Matias se transformou finalmente num polícia, o que nós vemos é que o idealista e justo Matias do início do filme, que conciliava a polícia com os estudos de Direito, se transformou num assassino a sangue frio, seguidor do ‘olho por olho, dente por dente’ e não das leis penais.

Talvez seja esta a maior inquietação que ‘Tropa de elite’ nos deixa: haverá solução para o flagelo do narcotráfico nas favelas brasileiras, ou tudo terá que oscilar entre o absentismo da polícia comum e os métodos à margem da lei - inaceitáveis numa democracia que se preze - de um qualquer BOPE?

Tropa de Elite, Brasil, 2007. Realização: José Padilha. Com: Wagner Moura, Caio Junqueira, André Ramiro, Maria Ribeiro, Fernanda Machado, Fábio Lago, Milhem Cortaz, Fernanda de Freitas, Paulo Vilela, Marcelo Valle.

1 comments:

Hugo Torres said...

de fascista «para cima», ou para baixo? :)