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10.3.10

Shutter Island


A carreira de Martin Scorsese até à data pode ser dividida, mais coisa menos coisa, em três fases. Uma primeira fase consensual, com várias obras-primas reconhecidas (já lá vamos), que irá até 'O Touro enraivecido', que se poderá prolongar um pouco mais, com um ou outro fogacho posterior (desde logo 'Tudo bons rapazes', que para a maioria dos seus fãs será a sua última obra-prima). Isto varia um bocado (eu, por exemplo, ponho o pouco amado 'Casino' ao nível das suas maiores obras), mas no essencial não será polémico. E numa coisa toda a gente está de acordo: nesta fase Scorsese deu ao mundo dois daqueles filmes "que mudam vidas": 'Taxi Driver' e 'O Touro enraivecido'.

A segunda fase será aquela em que o realizador perdeu a 'graça'. Como já se viu não é fácil determinar onde começa, mas inclui filmes como 'Kundum' (para muitos o seu filme mais fraco), 'A cor do dinheiro', 'A última tentação de Cristo', 'Por um fio', ou 'Gangs de Nova Iorque'. E haverá uma terceira fase, a 'fase Di Caprio' (o novo actor fetish depois do De Niro da época de ouro). Obviamente que simplificamos, mas penso que não estou a afastar-me muito do sentimento geral.

Esta terceira fase será tão polémica como a segunda (Scorsese nunca mais foi um cineasta de unanimidades), pelo que me vou restringir à minha opinião: 'O Aviador' não é grande coisa, mas ''The Departed' e este 'Shutter Island' são dois excelentes thillers. Mas, o "problema" (para o seu 'reconhecimento') é que 'Shutter Island' é, acima de tudo, um filme de argumento. Baseia-se num complexo livro de Dennis Lehane  (também o autor de 'Mystic River'), que joga numa data de tabuleiros, e tem um daqueles finais-reviravolta. Estes finais são sempre problemáticos e há quem diga que o teste para ver se um filme lhes sobrevive é se aguentamos uma segunda visão do filme. Eu ainda não o fiz, mas arrisco que sim. 'Shutter Island' tem ritmo, tem tensão, é brilhantemente filmado (inclusive quando arrisca, como nos flashbacks) e tem um actor em grande forma (Di Caprio, é verdade). Apetece dizer que é um grande filme à antiga, ou seja, na grande linhagem Hollywoodiana do film noir. O "problema" é... que não será um filme que mude a vida de ninguém. Esse Scorsese provavelmente não volta, mas toda gente exigirá (ou esperará) que sim. Daí as expectativas em seu torno serem sempre altíssimas.

Mesmo eu, que gostei bastante deste filme, reconheço facilmente que será provável encontrá-lo daqui a dez ou vinte anos num daqueles livros tipo '501 Thrillers You Should See Before You Die', mas não num '501 Movies You Should See Before You Die', onde, lá está, 'Taxi Driver' ou 'O Touro Enraivecido' terão lugar cativo (se a cinefilia ainda não tiver sido substituída por tops de vendas).

Shutter Island, E.U.A., 2010. Realização: Martin Scorsese. Com: Leonardo DiCaprio, Ben Kingsley, Mark Ruffalo, Max von Sydow, Michelle Williams, Emily Mortimer, Jackie Earle Haley, Elias Koteas, Ted Levine.

6 comments:

JB said...

Então e o que me dizes do «A lógica das imagens»?

Unknown said...

Bom, para começar diria que é caríssimo.... 15€ por um livro fininho... só em Portugal.

O livro é uma recolha de entrevistas e textos dispersos de W.W. Do pouco que li, hoje enquanto tomava café, pareceu-me bastante bom. Mas prometo um post quando acabar de o ler.

JB said...

É normal. Em Portugal somos todos muito ricos.
Fico à espera desse post, então.

André Moura e Cunha said...

E aquele final, HM? Aquele final...
Dinah Wahignton & Max Richter misturados, e DiCaprio no cume da sua loucura... no auge da sua carreira (se bem que esteve soberbo, imagine-se, aos 20 anos no seu imperdível Basketball Diaries).

Unknown said...

Nunca vi o Basketball Diaries. Até há pouco tempo tinha um preconceito em relação ao Di Caprio...

O Puto said...

Harry, não eras o único com esse preconceito.