Um dia antes de entrar ao serviço, Juan vai até à prisão onde iria ser guarda prisional, para começar a conhecer os cantos à casa. E eis que rebenta um motim e devido a uma série de azares Juan fica do lado de dentro das grades, tendo que se fazer passar por um vulgar prisioneiro para se safar.
'Cela 211' é uma curiosa variação do 'filme de prisão': mantendo as coordenadas do género (denunciar as más condições dos detidos, jogar com as tensões entre detidos e guardas, mas também entre detidos, explorando este microcosmos violento e com regras próprias) tem também uma discreta mas forte componente politica. É que os reféns que os detidos usam para negociar com as autoridades são outros detidos, mas com uma peculiaridade: são membros da ETA - e é impressionante ver o trabalho a que se dá o governo, envolvendo-se directamente nas negociações, para que nada aconteça aos etarras, o que poderia criar embaraços políticos, nomeadamente com as autoridades bascas. Em duas pinceladas é-nos dado um excelente retrato do peso que a questão basca tem na sociedade espanhola.
Até ao minuto 78 'Cela 211' é um filme magnífico, que mantém o espectador sob tensão como há muito não se via. Uma realização ágil e imaginativa (mas não exibicionista) e dois grandes actores, criam um ambiente permanente de claustrofobia e alta voltagem. Mas, nesse minuto, que despoleta a revolta de Juan e determina definitivamente a sua transformação (e talvez seja este o principal tema do filme: como circunstâncias extremas podem alterar a natureza humana), há na minha opinião uma incongruência grave do argumento [atenção, spoiler: se quiser passe ao parágrafo seguinte]: é quando comunicam a Juan que a sua mulher morreu, sendo que o guarda que provocou a sua morte está dentro do recinto dos revoltosos. Parece-me muito pouco crível que isto fosse possível, mesmo nas circunstâncias apresentadas no filme (Juan está a pressionar fortemente os negociadores para falar com a mulher).
Talvez por a 'suspensão da descrença' estar algo abalada, nos momentos seguintes pareceu-me que o filme tremeu um pouco: o discurso de Juan perante o enviado do governo parece algo inflamado e demagógico de mais, mas ainda assim pode-se justificar com o estado alterado em que ele se encontra.
Felizmente após este desequilíbrio momentâneo Daniel Monzón rapidamente retoma as rédeas e o filme acaba como merecia: sem concessões. Tudo ponderado, é uma muito boa surpresa.
Celda 211, Espanha/França, 2010. Realização: Daniel Monzón. Com: Luis Tosar, Alberto Ammann, Antonio Resines, Manuel Morón, Carlos Bardem, Marta Etura, Luis Zahera.
6 comments:
Também gostei. E os dois actores principais estão muito bem. Mas tens razão sobre essa parte final, também me pareceu que se perde um bocadinho.
É pena. Ainda assim é muito bom, e recupera um género quase extinto.
Tenho muita curiosidade em ver isto.
Vale a pena, principalmente para quem goste de filmes com um certo 'espírito série B'.
Só para vir aqui alguém discordar, eu acho o filme um bocado farsolas.. :)
Eu acho que tem uns buracos no argumento, mas consegue uma coisa fundamental: manteve-me sob tensão durante muito tempo, apesar de eu já ter visto dezenas de filmes destes.
Mas eu tenho um fraquinho por filmes destes, de baixo orçamento (eu sei que depois foi um sucesso de bilheteira e ganhou uns prémios e não sei quê), que recuperam géneros manhosos como o filme de prisão.
Post a Comment