Em 1952 Ernesto Guevara (Gael García Bernal), então um estudante de medicina de vinte e poucos anos, iniciou uma viagem de mota pela América Latina na companhia do seu amigo Rodrigo de la Serna (Alberto Granado). Partiu como um jovem despreocupado e voltou um potencial revolucionário. O filme pretende mostrar esta transformação, do simpático Fuser no mítico Che. Para esse efeito é-nos dado o antes e o depois da ‘consciencialização social’ de Guevara. Ultrapassada a primeira parte da viagem, despachada em 3 ou 4 sketchs dos dois amigos a caírem da velha Poderosa, a mota de Rodrigo, dá-se o momento da ‘revelação’ quando encontram um casal de desempregados que tenta arranjar emprego nas minas, e se apercebem das duras condições de vida da gente humilde. A partir daí, o comportamento de Ernesto altera-se, exemplificado na cena em que abdica de ir com Rodrigo namoriscar duas irmãs, para visitar uma idosa doente. Estamos então preparados para o episódio chave do filme: a chegada à leprosaria de Machu Pichu, dirigida autoritariamente por um grupo de freiras. Aí Che, revela o seu novo ser: dá a mão aos leprosos sem luvas (o que era contrário aos regulamentos apesar de não haver perigo de contágio) e, cena suprema, no dia do seu aniversário atravessa a nado (apesar de ser asmático) o rio que separa os sãos dos leprosos, sendo recebido em apoteose por estes. Ou seja, comportamentos de um mártir mais do que de um revolucionário. Um mártir que põe a sua saúde em perigo pelos mais desfavorecidos, que sofre por eles, que luta por uma igualdade de direitos e tratamento entre todos. Como tem sido repetidamente referido, uma atitude que antes de ser socialista é Cristã, e nem vale a pena ir mais longe neste paralelismo Che/Cristo que o filme potencia, e de que a iconografia de ambos é um outro exemplo. Não faço ideia se o futuro revolucionário e implacável Che começou por aqui o seu processo de ‘formação revolucionária’, é uma teoria como outra qualquer, mas o filme é linear de mais nesta construção do Che-mártir, nunca sentimos verdadeiramente essa transformação interior de um homem. A culpa não pode ser atribuida apenas ao argumento, a realização de Walter Salles também não ajuda muito, com algumas soluções cinematograficamente infelizes (para não ir mais longe) como a cena da travessia do rio em câmara lenta sob o aplauso dos leprosos e musica de fundo a condizer. Não é um filme mau, mas o seu sucesso de estima é mais devido ao mito Che, do que às suas qualidades intrínsecas.
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15.12.04
Diários de Che Guevara
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Em 1952 Ernesto Guevara (Gael García Bernal), então um estudante de medicina de vinte e poucos anos, iniciou uma viagem de mota pela América Latina na companhia do seu amigo Rodrigo de la Serna (Alberto Granado). Partiu como um jovem despreocupado e voltou um potencial revolucionário. O filme pretende mostrar esta transformação, do simpático Fuser no mítico Che. Para esse efeito é-nos dado o antes e o depois da ‘consciencialização social’ de Guevara. Ultrapassada a primeira parte da viagem, despachada em 3 ou 4 sketchs dos dois amigos a caírem da velha Poderosa, a mota de Rodrigo, dá-se o momento da ‘revelação’ quando encontram um casal de desempregados que tenta arranjar emprego nas minas, e se apercebem das duras condições de vida da gente humilde. A partir daí, o comportamento de Ernesto altera-se, exemplificado na cena em que abdica de ir com Rodrigo namoriscar duas irmãs, para visitar uma idosa doente. Estamos então preparados para o episódio chave do filme: a chegada à leprosaria de Machu Pichu, dirigida autoritariamente por um grupo de freiras. Aí Che, revela o seu novo ser: dá a mão aos leprosos sem luvas (o que era contrário aos regulamentos apesar de não haver perigo de contágio) e, cena suprema, no dia do seu aniversário atravessa a nado (apesar de ser asmático) o rio que separa os sãos dos leprosos, sendo recebido em apoteose por estes. Ou seja, comportamentos de um mártir mais do que de um revolucionário. Um mártir que põe a sua saúde em perigo pelos mais desfavorecidos, que sofre por eles, que luta por uma igualdade de direitos e tratamento entre todos. Como tem sido repetidamente referido, uma atitude que antes de ser socialista é Cristã, e nem vale a pena ir mais longe neste paralelismo Che/Cristo que o filme potencia, e de que a iconografia de ambos é um outro exemplo. Não faço ideia se o futuro revolucionário e implacável Che começou por aqui o seu processo de ‘formação revolucionária’, é uma teoria como outra qualquer, mas o filme é linear de mais nesta construção do Che-mártir, nunca sentimos verdadeiramente essa transformação interior de um homem. A culpa não pode ser atribuida apenas ao argumento, a realização de Walter Salles também não ajuda muito, com algumas soluções cinematograficamente infelizes (para não ir mais longe) como a cena da travessia do rio em câmara lenta sob o aplauso dos leprosos e musica de fundo a condizer. Não é um filme mau, mas o seu sucesso de estima é mais devido ao mito Che, do que às suas qualidades intrínsecas.
1 comments:
Realmente pode não ser um grande filme mas é um trabalho honesto quando comparado com o lixo mainstream made in USA. Salles sabe fazer cinema e já o provou anteriormente com Central do Brasil. No entanto é fácil falar... :)
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