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19.11.05

O fiel jardineiro



Fui ver este filme com um receio: como é que o estilo folclórico do brasileiro Fernando Meirelles combinaria com o estilo sóbrio e cínico do britânico Le Carré? Felizmente a minha apreensão era infundada - a combinação resulta surpreendentemente bem. É um pouco como a relação entre os dois protagonistas desta história: duas personalidades opostas que se encaixam na perfeição.
Justin Quayle (Ralph Fiennes) é o fiel jardineiro, um pacato diplomata britânico que só pensa nas suas plantas, até ao dia em que conhece Tessa (Rachel Weisz) numa conferência. Esta após o interpelar de uma forma agressiva e irritante com um discurso 'esquerdista', acaba por o convidar para sua casa, onde lhe faz um pedido surpreendente: que a leve com ele para África, como mulher, como amante, como amiga, não interessa como!
Após terem casado, e já instalados em África, levam duas vidas paralelas: ela é uma activista empenhada em investigar os podres do capitalismo no terreno; ele refugia-se no seu jardim, tendo o tipo de vida em Nairóbi que teria em Londres ou em Xangai. Ela é inconveniente, incómoda, irritante; ele é pacato, conservador, insosso. Um casamento de conveniência, dir-se-ia. Só após o desaparecimento de Tessa percebemos a realidade: se não há casamentos perfeitos, este estava lá perto. Ela não lhe falava das suas actividades para o proteger. Ele dava-lhe toda a liberdade, mas estava lá para o que fosse preciso. Percebemos também que a conspiração envolvendo farmacêuticas não é mais que o McGuffin do filme. Este filme é a história de um grande amor. Um grande amor em África. Este ponto é importante, porque África é a terceira grande personagem desta história. A África profunda, de que já tínhamos tido um cheirinho no 'Senhor da Guerra', não a Tunisia ou o Egipto que conhecemos dos pacotes turísticos. É aqui que a escolha de Fernando Meirelles se revela adequada. O seu estilo nervoso, com uma montagem agressiva, que se pode tornar cansativo e gratuito (veja-se a 'Cidade de Deus'), casa no entanto bem com as cores e o desalinho africanos, captando bem uma realidade que nos é estranha.
Temos assim um bom filme a partir de um bom romance, seguindo uma linha recente de que são exemplos 'O americano tranquilo' (Noyce/Green) ou 'A culpa humana' (Benton/Roth). E é também a melhor adaptação de Le Carré ao grande ecrã que já vi.

The Constant Gardener, Grã-Bretanha/Alemanha, 2005. Realização: Fernando Meirelles. Com: Ralph Fiennes, Rachel Weisz, Danny Huston, Pete Postlethwaite, Gerard McSorley, Hubert Koundé.

8 comments:

O Puto said...

Gostei muito do filme, estética e contextualmente, e das várias dicotomias. Fernando Meirelles esteve muito bem, sim senhor.

Ademar de Queiroz (Demas) said...

Também me surpreendi com "O jardineiro fiel" do Meirelles. Depois do sucesso retumbante de "Cidade de Deus" (que está entre os top 20 do IMDb), fui ao cinema acreditando no potencial do Meirelles mas disconfiado de que ele pudesse fazer um segundo filme tão bom. E não é que ele conseguiu!? Agora Harry, sem querer ser ufanista, mas a montagem que você chama de cansativa e gratuita em "Cidade de Deus" é a mesma que foi reverenciada por cineastas do mundo todo? Abraço.

Unknown said...

É verdade Ícaro, parece que só eu é que não gostei. Ás vezes acontece uma pessoa estar em minoria...Um abraço, aparece sempre.

blue kite said...

Gostei muito do filme. Gostei da forma como retrata África e sobretudo como o Fernando Meireles não se perde lá e sustenta sempre a histório do ponto de vista da relação amorosa. Uma palavra especial também para o Ralph Fiennes (há anos um dos meus actores preferidos, tanto no teatro - onde já o vi - como no cinema)como a Rachel W.

blue kite said...

ahh gostei muito do blog. Já linkei no meu...

Unknown said...

Ainda bem que gostaste. E obrigado :)

Anonymous said...

Curioso falares no The Quiet American. Ninguém fala nesse filme e cá para mim é uma coisa muito bem feita, do qual também me lembrei enquanto via este The Constant Gardener (que também muito apreciei).
Parece que o Phillip Noyce começou a fazer filmes de jeito. O Rabbit-Proof Fence também me pareceu bem bom, muito por culpa da direcção de fotografia do Doyle, claro, mas bom. Sóbrio, simples.
Mas o The Quiet American, é curioso, é um filme do qual ninguém fala e que por isso muito me surpreendeu (comprei-o só por fanatismo pelo Christopher Doyle. compro todos os filmes que me aparecem pela frente nos quais ele participa) e ando com vontade de revê-lo.
Bem, era só para dizer isto.

Unknown said...

Eu ainda gostei mais do 'Quiet American' que do 'Constant gardner'.