M. Night Shyamalan inaugurou com O Sexto Sentido um sub-género dos filmes de mortos-vivos. Exemplos recentes: The Forgotten, The Others, Birth e Flightplan. Todos estes sucedâneos têm uma estrutura comum que vale a pena dissecar: como base servem-se de um acontecimento traumático que provoca um sentimento de perda profundo no protagonista, capaz de lhe induzir dúvidas acerca do seu estado mental e de envolver o espectador numa estória pouco verosímil. Normalmente os pormenores acerca desse acontecimento são desvendados cirurgicamente ao longo do filme. O truque destes filmes passa por dar ao espectador em cada momento a informação mínima para o manter ligado ao filme deixando-o preencher o vazio criado com algumas hipóteses. É o velho jogo do gato e rato. Numa altura em que os anti-depressivos, os ansiolíticos e as consultas psiquiátricas se banalizaram e a fronteira entre a sanidade e a alienação se esbate, é mais fácil criar os necessários laços de identificação com o espectador. Outro elemento comum a estes filmes são as crianças, ou como objecto da perda - The Others, The Forgotten, Flightplan - ou como ponte de ligação entre o mundo dos vivos e dos mortos - O Sexto Sentido e Birth. A superprotecção que é dedicada actualmente às crianças e o terror causado pela ideia de alguma coisa de mal lhes acontecer justifica a primeira situação. A inocência e a confusão própria das crianças entre a realidade e a imaginação são usadas na segunda. Com a excepção de o Sexto Sentido o protagonista é uma mulher. Os argumentistas destes filmes permanecem ligados à ideia da mulher como ser mais sensível e manipulável do que o homem. Tecnicamente os filmes são também semelhantes: Fotografia escura, movimentos lentos de uma câmara fixa, banda sonora agreste. Outro elemento comum é a escassez de personagens e de ambientes cénicos. Convém ao realizador conter o mais possível a acção do filme, aumentando dessa forma o desejado efeito claustrofóbico e reduzindo os elementos de perturbação.
Flightplan começa bem porque cumpre todas estas premissas. O facto de a acção se passar quase exclusivamente num avião, um espaço reduzido e demarcado, com regras próprias, onde existe logo à partida uma tensão natural em todos os passageiros e tripulação que potencia qualquer situação de risco, e de se estabelecerem rapidamente grupos com comportamentos tipificados ajuda o realizador a criar um ambiente nervoso. O filme falha no entanto por completo na manutenção desse ambiente e na gestão do mistério. O realizador não quis ou não soube centrar o filme na questão principal: O alegado desaparecimento de uma menina que ninguém viu com a excepção da mãe e que não consta dos registos do voo, e as dúvidas que se colocam em relação à sanidade dessa mulher cujo corpo do marido viaja num caixão no porão do avião a caminho dos Estados Unidos. Este jogo psicológico que seria o suficiente para fazer um bom filme é rapidamente abandonado. A contenção dá lugar ao espectáculo, e à acção. A atenção do espectador é desviada da perda para a causa da perda e o filme parte-se em dois. O segundo filme que nos passa a ser servido não é nada original, tem todos os tiques dos maus filmes de acção e usa inclusivamente os acontecimentos do 11/9 para tentar manipular emoções primárias.
FlightPlan, EUA 2005, Realização: Robert Schwentke, Com: Jodie Foster, Peter Sarsgaard, Sean Bean, Kate Beahan.
1 comments:
Não podia estar mais de acordo! Fui ver este filme contrariado. Acontece... Mas até estava a correr bem. Mas eis senão quando tudo se desmoronou como um castelo de cartas! Que pena. E que seca!
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