'Gabrielle', adaptação de um conto de Joseph Conrad (The Return), é um filme formalmente estranho: por um lado remete para uma peça de teatro - é praticamente todo filmado em interiores (uma casa), em dois ou três cenários (quarto, sala de jantar, salão) e usa e abusa de longos monólogos entoados de um modo algo artificial; por outro lado, utiliza obsessivamente várias técnicas especificamente cinematográficas - passagem recorrente do preto e branco para cores e vice versa, utilização abundante de grandes planos, inscrição de frases no ecrã. O resultado transmite uma sensação de estranheza ao espectador, cortando algo da sua 'suspenção da descrença', mas ao mesmo tempo envolvendo-o numa atmosfera de sumptuosidade que cai bem com a altivez dos seus protagonistas (ia escrevendo actores, em vez de protagonistas). Mais do que de Mankiewickz, lembrei-me (muito) dos últimos filmes de Rohmer.
A história, adaptada de Conrad como já disse, gira à volta do dilema de uma casal da alta burguesia do inicio do século XX: como pode o seu casamento sobreviver depois de um dos seus elementos ter cometido adultério e ter quase abandonado tudo? A questão depressa se transforma em quem ama quem, analisando os dois à lupa os seus sentimentos e motivações, quer em conversas entre eles, quer em monólogos (repare-se na espantosa confissão de Isabel Hupert à criada), resultando numa batalha verbal, psicanalítica e recriminatória, sobre os anos do seu casamento tranquilo e silencioso. No final fica quem queria ir embora, e vai embora quem queria ficar - ou seja, ninguém fica bem. Um duro realismo incrustado na artificialidade dos meios.
Gabrielle, França/Alemanha/Itália, 2005. Realização: Patrice Chéreau. Com: Isabelle Huppert, Pascal Greggory, Claudia Coli, Thierry Hancisse, Chantal Neuwirth, Thierry Fortineau.
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