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25.6.06

Sem destino



'Sem destino' é uma adaptação do romance autobiográfico com o mesmo nome, do escritor húngaro Imre Kertész, Prémio Nobel da literatura em 2002 e até aí praticamente desconhecido fora da Alemanha, onde vive. O próprio Kertész, que tem sido literariamente comparado com Primo Levi, escreveu o argumento para esta estreia na realização do seu compatriota Lajos Koltai, habitual director de fotografia de István Szabó (incluindo o recente 'Being Julia').
O filme segue o trajecto de György Köves, um miúdo judeu de 14 anos, que é enviado para Auschwitz e depois para Buchenwald. A ingenuidade inicial rapidamente dá lugar ao espanto, à dor, e à sensação de absurdo - ele não fora criado como judeu praticante, nem nunca pensara muito nisso do que era ser judeu - porque é que lhe estava a acontecer aquilo tudo então? Koltai (como Kertész) não cai nunca no sentimentalismo, e estrutura o filme numa série de curtos planos fotografados numa cor sépia e brumosa, que mostrando cenas do dia a dia do miúdo e dos outros prisioneiros (a fila para o prato de sopa; as longas esperas alinhados de pé; a ajuda de um conterrâneo, a maldade de um guarda), vão entranhando no espectador a sensação da enorme estupidez de tudo aquilo, de quão próximos da desumanidade estamos.
Se tivermos em conta que um filme (ou qualquer obra de arte) sobre o holocausto tem sempre uma dimensão que o transcende, é mais uma peça de resistência ao esquecimento, como acender uma vela ou construir um memorial às vitimas, podemos dizer que vale sempre a pena voltar ao tema, mesmo depois de 'A lista de Schindler' (que Kertész qualificou de kitsch), de 'O pianista', de 'A vida é bela'. Independentemente disso, 'Sem destino' vale por si próprio enquanto objecto cinematográfico sensível mas sem concessões, bem filmado, fotografado e interpretado. Não obstante faltar um golpe de asa ao realizador para atingir níveis mais altos, consegue o essencial que é fazer o espectador perceber o porquê da escolha do título: quando Buchenwald é libertado, um oficial Americano ao perceber que György fala inglês, tenta convence-lo a não voltar para a Hungria ocupada pela União Soviética; o miúdo responde-lhe naturalmente que tem que voltar para a sua família. Claro que ele não pode saber que depois da guerra já nada será como antes: nem a sua família (o pai foi morto), nem os amigos (que só lhe fazem perguntas ocas sobre os campos de concentração), nem o seu país, que caído sobre as garras do estalinismo impedirá a liberdade de György durante muitos mais anos.
Sorstalanság / Fateless, Hungria/Alemanha/Grã-Bretanha, 2005. Realização: Lajos Koltai. Com: Marcell Nagy, Áron Dimény, Béla Dóra, Péter Vida, Zsolt Dér, Daniel Craig.

1 comments:

gonn1000 said...

Achei o filme irregular. Se por um lado está bem filmado, fotografado e interpretado, também é demasiado longo e cansativo e pouco acrescenta a quem já tenha visto as obras que referiste (já para não falar em inúmeras séries televisivas). Mesmo assim, a relevância do tema e a honestidade da abordagem fazem com que o balanço acabe por ser positivo.