Nesta sua última obra, François Ozon - um dos mais interessantes cineastas da actualidade - volta a reflectir sobre a morte, cinco anos e três filmes depois de 'Sob a areia'. Ali uma mulher de cinquenta e tal anos (Charlotte Rampling) recusava-se a aceitar a morte do marido que desaparecera misteriosamente no mar; aqui, um jovem de trinta e um anos (Melvil Poupaud) confronta-se com a sua própria morte ao ser-lhe diagnosticado um cancro letal, que se recusa a combater. O filme é precisamente sobre o que Poupaud faz com o tempo que lhe resta (uns três meses, disse-lhe o médico). Este é um filme em crescendo: durante metade do tempo parece-nos que Ozon não tem nada de muito original para dizer sobre o assunto, mas depois vamo-nos comovendo com a arrogante e sobranceira personagem de Poupaud e as reticências mentais vão-se desvanecendo. Ozon, a quem nos habituamos a admirar o lado cerebral de geómetra, a elegante frieza com que constrói os seus filmes, consegue aqui emocionar-nos, sem no entanto perder as características anteriores que lhe são intrínsecas. 'O tempo que resta' não é, na minha opinião, o seu melhor filme, mas é talvez aquele em que mais arrisca, quer temática, quer cinematograficamente. Quanto ao primeiro aspecto, o tema da 'humanização' da personagem à medida que caminha para a morte é dos mais traiçoeiros, mas nunca o realizador derrapa para a lamechice fácil, não se refugiando no entanto numa distância altiva e asséptica ainda mais fácil. Veja-se toda a cena com a avó (Jeanne Moreau) sempre no fio da navalha, mas não caindo nunca para o lado mais banal e puxa a lágrima. Quanto ao aspecto cinematográfico, digamos assim, Ozon não tem medo de filmar algumas cenas arriscadas, como a cena do sexo a três que facilmente poderia cair no ridículo, e mesmo as sempre difíceis cenas homossexuais. Mais do que com 'Sob a areia', compararia este filme com '5x2', pelo lado emocional que Ozon nele põe e por se interessar mais pelas suas personagens que pela sua história. E, se penso que não virei a gostar tanto deste filme como de '5x2', penso também que à semelhança deste, 'O tempo que resta' será um filme que irei admirando mais à medida que o tempo passe.
Le Temps Qui Reste, França, 2005. Realização: François Ozon. Com: Melvil Poupaud, Jeanne Moreau, Valeria Bruni Tedeschi, Daniel Duval, Marie Rivière.
3 comments:
oZon, a par dos manos Dardenne, são mesmo do melhor que se vai fazendo. E, claro, os veteranos, como temos no exemplo de "les amants réguliers" de Philippe Garrel.
Acertaste em cheio com a crítica. E realmente é um filme que cresce em nós com o passar do tempo.
Pena que os distribuidores portugueses não partilhem da nossa opinião. Ou me passou despercebido, ou ainda nem sequer estreou no Porto...
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