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22.8.06

O tempo que resta



Nesta sua última obra, François Ozon - um dos mais interessantes cineastas da actualidade - volta a reflectir sobre a morte, cinco anos e três filmes depois de 'Sob a areia'. Ali uma mulher de cinquenta e tal anos (Charlotte Rampling) recusava-se a aceitar a morte do marido que desaparecera misteriosamente no mar; aqui, um jovem de trinta e um anos (Melvil Poupaud) confronta-se com a sua própria morte ao ser-lhe diagnosticado um cancro letal, que se recusa a combater. O filme é precisamente sobre o que Poupaud faz com o tempo que lhe resta (uns três meses, disse-lhe o médico). Este é um filme em crescendo: durante metade do tempo parece-nos que Ozon não tem nada de muito original para dizer sobre o assunto, mas depois vamo-nos comovendo com a arrogante e sobranceira personagem de Poupaud e as reticências mentais vão-se desvanecendo. Ozon, a quem nos habituamos a admirar o lado cerebral de geómetra, a elegante frieza com que constrói os seus filmes, consegue aqui emocionar-nos, sem no entanto perder as características anteriores que lhe são intrínsecas. 'O tempo que resta' não é, na minha opinião, o seu melhor filme, mas é talvez aquele em que mais arrisca, quer temática, quer cinematograficamente. Quanto ao primeiro aspecto, o tema da 'humanização' da personagem à medida que caminha para a morte é dos mais traiçoeiros, mas nunca o realizador derrapa para a lamechice fácil, não se refugiando no entanto numa distância altiva e asséptica ainda mais fácil. Veja-se toda a cena com a avó (Jeanne Moreau) sempre no fio da navalha, mas não caindo nunca para o lado mais banal e puxa a lágrima. Quanto ao aspecto cinematográfico, digamos assim, Ozon não tem medo de filmar algumas cenas arriscadas, como a cena do sexo a três que facilmente poderia cair no ridículo, e mesmo as sempre difíceis cenas homossexuais. Mais do que com 'Sob a areia', compararia este filme com '5x2', pelo lado emocional que Ozon nele põe e por se interessar mais pelas suas personagens que pela sua história. E, se penso que não virei a gostar tanto deste filme como de '5x2', penso também que à semelhança deste, 'O tempo que resta' será um filme que irei admirando mais à medida que o tempo passe.
Le Temps Qui Reste, França, 2005. Realização: François Ozon. Com: Melvil Poupaud, Jeanne Moreau, Valeria Bruni Tedeschi, Daniel Duval, Marie Rivière.

3 comments:

Hugo said...

oZon, a par dos manos Dardenne, são mesmo do melhor que se vai fazendo. E, claro, os veteranos, como temos no exemplo de "les amants réguliers" de Philippe Garrel.

not_alone said...

Acertaste em cheio com a crítica. E realmente é um filme que cresce em nós com o passar do tempo.

Unknown said...

Pena que os distribuidores portugueses não partilhem da nossa opinião. Ou me passou despercebido, ou ainda nem sequer estreou no Porto...