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25.8.06

A outra face da lei



Numa crítica escrita em 1956 sobre 'Fugiu um condenado à morte', Truffaut (que o considerava a obra prima de Bresson e o melhor filme francês dos últimos dez anos) faz uma observação curiosa: que pensava que o filme seria mais apreciado por aquelas pessoas que só iam ao cinema ocasionalmente, que pelo público mais assíduo, pois este estava muito influenciado pelo ritmo dos filmes Americanos. Lembrei-me das suas palavras ao assistir a este 'Le Petit lieutenant' (esqueçamos o título português) do seu compatriota Xavier Beauvois. Tendo o filme uma estrutura de história policial, subconscientemente estive sempre à espera de qualquer reviravolta no argumento, de uma surpresa final, até de uma qualquer cena movimentada de tiros e perseguições. Claro que não há nada disso. Xavier Beauvois adopta um estilo quase documental, de câmara invisível, mostrando-nos o trabalho rotineiro (mas não isento de perigo) de um jovem tenente vindo da província para Paris, que investiga o assassinato de um sem abrigo. O seu dia-a-dia é feito de interrogatórios a estrangeiros que pouco sabem de francês, de vigias monótonas, de investigações chatas e morosas. Nada disso diminui no entanto a sua crença arreigada e quase infantil no que faz, a sua voluntariedade ingénua, que vão fatalmente colidir com a dura realidade da rua e com o outro ritmo a que se movem os seus colegas mais experientes e desencantados. Este filme é uma espécie de anti-'Miami Vice' - que para os padrões de Hollywood até tem pouquíssima acção. A vontade de realismo é tão grande, a invisibilidade do realizador tão deliberada, que às tantas a única 'coisa' que me parecia deslocada era o actor, demasiado 'bem parecido' para ser um polícia provinciano (e lembrei-me dos modelos de Bresson, que como se sabe não gostava de usar actores profissionais)! De qualquer modo, no seu despojamento, é um filme muito original - a atenção que dá às personagens secundárias (e a chefe do pequeno tenente até é capaz de ser a personagem principal), o ambiente discretamente pessimista, os detalhes (o jantar em casa do colega Marroquino; a confissão à chefe que não sabe onde comprar charros em Paris) são sintomas de uma complexidade escondida, disfarçada de simplicidade pelo talento do realizador.
P.S.: Aluguei este filme num clube de vídeo. Não tenho a certeza, mas tanto quanto sei não estreou nas salas portuguesas, apesar de ter sido presença em alguns Top 10 do ano passado, como nos Cahiers du Cinema.
Le Petit lieutenant, França, 2005. Realização: Xavier Beauvois. Com: Nathalie Baye, Jalil Lespert, Roschdy Zem, Antoine Chappey, Jacques Perrin.

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