Baseando-se na biografia de Antonia Fraser, Sofia Coppola dá-nos a sua versão de Maria Antonieta: esta é retratada como uma miúda ingénua, alegre e despreocupada, que aterrou em Versalhes sem estar minimamente preparada para o que a esperava. Ao rígido protocolo da corte, ao marido ausente (só pensava em caçadas, tinha como outro hobby fazer chaves e demorou anos a 'consumar' o casamento), ao ambiente palaciano de intriga e preconceito (era tratada desdenhosamente pela Austríaca), às pressões constantes da mãe, a tudo isto reagiu com um sorriso nos lábios, alguma indiferença e uma boa dose de leviandade. Preocupava-se com as suas roupas, as artes, as festas e arranjou um amante. No máximo podemo-la achar algo cabeça no ar, mas nunca a traidora e agente austríaca de que tem sido acusada. Nos momentos difíceis fica mesmo ao lado do marido, recusando-se a fugir. Em suma, Sofia está claramente do lado de Maria Antonieta. Depois de Rohmer nos ter mostrado a revolução do lado da Nobreza, agora sentimo-la do lado da corte.
Um dos aspectos mais interessantes do filme é aquele pelo qual tem sido mais criticado: a sua estética pop. Sofia Coppola filma nos imponentes cenários de Versalhes (interiores e exteriores) um caleidoscópio de cores e imagens, mostrando-nos sapatos e mais sapatos da Rainha, festas, arranjos florais e gastronómicos, quadros de grandes mestres, vestidos e perucas, jóias e máscaras, rituais e tradições, num rodopio musicado ao som de New Order, The Cure, Strokes ou Siouxsie. Mas não só os temas se adequam cinematograficamente às cenas, como estabelecem uma discreta ligação com a nossa cultura de massas, superficial e borbulhante (e esta Marieta Antonieta já foi criticada como sendo uma mistura de Lady Di com Paris Hilton!). Não direi que a forma é a substância, mas a forma é inegavelmente importante para o retrato que Sofia Coppola nos quer dar da rainha. A sua força acaba no entanto por ser também a sua maior fraqueza, pois o filme não se consegue libertar inteiramente dessa leveza, faltando-lhe a penetrante agudeza de um Rohmer, ficando algumas personagens e situações numa espumosa superficialidade.
Falta falar dos dois actores principais: Jason Schwartzman discretamente impecável no papel do delfim impenetrável e algo tonto, e claro, Kirsten Dunst que é a alma do filme, com a sua simpatia irradiante e a sua beleza luminosa, ao mesmo tempo serena e irrequieta. Sem ela o filme não seria o mesmo.
Marie Antoinette, E.U.A., 2006. Realização: Sofia Coppola. Com: Kirsten Dunst, Jason Schwartzman, Judy Davis, Steve Coogan, Asia Argento, Rip Torn, Rose Byrne, Molly Shannon, Shirley Henderson, Danny Huston.
6 comments:
parece-me bastante interessante o filme... Obrigado pela critica e pela sugestão!... :)
Ainda não vi o filme, mas li uma biografia de Maria Antonieta há uns anos atrás (de Stefan Zweig), e é uma personagem que me desperta alguma atenção, pois não teve uma vida nada fácil.
ao que parece Sofia Coppola esteve para adaptar essa biografia do Stefan Zweig, antes de se decidir pela de A.Fraser....
Essa estética poop é, acho, o indício que prova que Sofia operou uma ruptura na continuidade. Eu gostei!
Se calhar não está muito explicito no meu texto, mas eu também gostei!
Será que vamos continuar a ter que aturar este tipo de pós-modernismo no cinema?
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