Mais do que um filme sobre imigrantes apanhadas nas redes de tráfico de mulheres na Europa, 'Transe' é um filme sobre uma mulher que cai nas mãos duma dessas máfias da prostituição. Tudo que diz respeito a processos e métodos de trabalho destas redes é elíptico e vago, fugindo a realizadora a sete pés de qualquer estilo documental. O que lhe interessa é acompanhar, no seu peculiar ritmo lento, o processo de decomposição mental desta mulher, enquanto vagueia da Rússia natal para a Alemanha (onde tenta um trabalho legal), depois para Itália (para onde é enviada como escrava sexual para uma mansão, na parte menos interessante do filme, que envolve cenas teatrais e insólitas) e finalmente aterrando em Portugal. Tirando meia dúzia de planos das gélidas paisagens russas, e um um ou dois de personagens secundárias, todo o filme se centra sobre Ana Moreira, sobre o seu 'transe', a sua transformação de uma mulher que inicialmente quer arriscar e tentar algo, até se tornar um fantasma que vagueia pelos sítios, agarrando-se aqui e ali a alguma réstia de esperança. É assim impossível falar de 'Transe' sem falar da sua actriz, que incarna sem mácula todos os pesadelos da sua personagem - a sua dor, o seu alheamento, a sua desesperada esperança. Acompanharia de bom grado os ditirambos que tem recebido, não fosse o caso de me parecer que este tipo de papéis -sofredores, sobrexpostos- acabam sempre por cair num certo estereótipo - apesar de ser menos culpa da actriz do que do papel que lhe foi dado. Teresa Vilaverde filma tudo isto com elegância e savoir faire, há mesmo um virtuosismo na fotografia, na montagem, nos enquadramentos, que é até um pouco exibicionista. O resultado final é que não obstante o filme nos transmitir algo sobre o sofrimento e o desamparo de um ser humano, é tão frio como as gélidas paisagens russas que nos vai mostrando.
Transe, Portugal, 2006. Realização: Teresa Vilaverde. Com: Ana Moreira, Viktor Rakov, Robinson Stévenin, Iaia Forte, Andrey Chadov, Tim, Filippo Timi, Dinara Droukarova.
6 comments:
Hum..pois eu acho que não é assim tão gélido. Para além de ter absorvido muito bem o Mundo de Tarkovsky ( e Sokurov) a Villaverde provou que está em forma neste magnífico exercício de depuração do eu.
E sim, a Ana Moreira deixa qualquer um siderado neste "transe". Que actriz!
"Transe" vai ser exibido na Mostra de Cinema de São Paulo, que começa no dia 20. Estou na expectativa.
a mim desiludiu-me, não penso que esteja ao nível de 'Os mutantes'. Ainda assim vale a pena ver, é um cinema que não deixa ninguém indiferente.
Concordo com uma certa desilusão causada pelo filme. Ana Moreira é de facto uma excepcional actriz (exactamente por conseguir fugir ao estereótipo de que falas) mas Villaverde, apesar de perceber isso, parece perder-se mais do que saber explorar esse filão.
Excelente cronica, apesar de ainda não ter visto...
«o iceberg é o deserto do frio.»
parabéns, teresa villaverde.
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