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9.10.06

Transe



Mais do que um filme sobre imigrantes apanhadas nas redes de tráfico de mulheres na Europa, 'Transe' é um filme sobre uma mulher que cai nas mãos duma dessas máfias da prostituição. Tudo que diz respeito a processos e métodos de trabalho destas redes é elíptico e vago, fugindo a realizadora a sete pés de qualquer estilo documental. O que lhe interessa é acompanhar, no seu peculiar ritmo lento, o processo de decomposição mental desta mulher, enquanto vagueia da Rússia natal para a Alemanha (onde tenta um trabalho legal), depois para Itália (para onde é enviada como escrava sexual para uma mansão, na parte menos interessante do filme, que envolve cenas teatrais e insólitas) e finalmente aterrando em Portugal. Tirando meia dúzia de planos das gélidas paisagens russas, e um um ou dois de personagens secundárias, todo o filme se centra sobre Ana Moreira, sobre o seu 'transe', a sua transformação de uma mulher que inicialmente quer arriscar e tentar algo, até se tornar um fantasma que vagueia pelos sítios, agarrando-se aqui e ali a alguma réstia de esperança. É assim impossível falar de 'Transe' sem falar da sua actriz, que incarna sem mácula todos os pesadelos da sua personagem - a sua dor, o seu alheamento, a sua desesperada esperança. Acompanharia de bom grado os ditirambos que tem recebido, não fosse o caso de me parecer que este tipo de papéis -sofredores, sobrexpostos- acabam sempre por cair num certo estereótipo - apesar de ser menos culpa da actriz do que do papel que lhe foi dado. Teresa Vilaverde filma tudo isto com elegância e savoir faire, há mesmo um virtuosismo na fotografia, na montagem, nos enquadramentos, que é até um pouco exibicionista. O resultado final é que não obstante o filme nos transmitir algo sobre o sofrimento e o desamparo de um ser humano, é tão frio como as gélidas paisagens russas que nos vai mostrando.
Transe, Portugal, 2006. Realização: Teresa Vilaverde. Com: Ana Moreira, Viktor Rakov, Robinson Stévenin, Iaia Forte, Andrey Chadov, Tim, Filippo Timi, Dinara Droukarova.

6 comments:

Hugo said...

Hum..pois eu acho que não é assim tão gélido. Para além de ter absorvido muito bem o Mundo de Tarkovsky ( e Sokurov) a Villaverde provou que está em forma neste magnífico exercício de depuração do eu.

E sim, a Ana Moreira deixa qualquer um siderado neste "transe". Que actriz!

CHICO FIREMAN said...

"Transe" vai ser exibido na Mostra de Cinema de São Paulo, que começa no dia 20. Estou na expectativa.

Unknown said...

a mim desiludiu-me, não penso que esteja ao nível de 'Os mutantes'. Ainda assim vale a pena ver, é um cinema que não deixa ninguém indiferente.

Gustavo Jesus said...

Concordo com uma certa desilusão causada pelo filme. Ana Moreira é de facto uma excepcional actriz (exactamente por conseguir fugir ao estereótipo de que falas) mas Villaverde, apesar de perceber isso, parece perder-se mais do que saber explorar esse filão.

Pedro Soares Lourenço said...

Excelente cronica, apesar de ainda não ter visto...

Anonymous said...

«o iceberg é o deserto do frio.»
parabéns, teresa villaverde.