'Os amantes regulares' tem alguns dos planos mais belos que podemos ver este ano nas salas de cinema. A austera e quase sobrenatural fotografia a preto e branco de William Lubtchansky (colaborador habitual de Rivette ou Iosseliani, por exemplo), aliada ao irreprensível olhar estético do realizador, emergem-nos num ambiente único, a que estamos pouco habituados nesta época dominada por filmes formatados e sem risco. Neste campo, parece que estamos a ver um filme que não é deste tempo, mas mais do tempo que relata: 1968.
Sendo um olhar pessoal (e desencantado) sobre o Maio de 68, o filme é mais do que isso. O capitulo inicial mostra-nos a luta entre estudantes e policia, incluindo uma longa e estranha sequência filmada de longe, recordando-nos algo entre uma reportagem e uma cena de batalha num filme histórico. A seguir entramos no dia-a-dia dos seus protagonistas, comprometidos mas pas trop com a revolução, que basicamente passam o dia a fumar ópio - uma visão oposta ao romantismo de Bertolucci em 'Os sonhadores'. O romantismo aqui é guardado para a terceira parte, a história de amor entre Louis Garrel e Clotilde Hesme, intensa e bela, mas contaminada pelo ar da época: como pode ele pedir-lhe fidelidade? Como pode ela pedir-lhe que espere por si?
Fossem estes 'episódios' (cada um com direito a título) vistos separadamente, e eu poucos fotogramas tiraria ao filme. Mas não são, e as 3 horas de duração são excessivas, exigindo uma resistência que poucos espectadores terão - é difícil manter a nossa atenção durante tanto tempo, por maior que seja a nossa disponibilidade. Assim sendo, 'Os amantes regulares' teria necessitado, na minha opinião, de um bom corte aquando da montagem - eu apostaria na segunda parte, nas longas sequências em que apenas se fumam drogas em casa de Antoine. Não foi esse o entendimento de Philippe Garrel e tornou assim o todo menos do que a soma das partes.
Les Amants Réguliers, França, 2004. Realização: Philippe Garrel. Com: Louis Garrel, Clotilde Hesme, Julien Lucas, Eric Rulliat, Nicolas Bridet, Maurice Garrel.
2 comments:
Apesar desse ritmo lento, o filme é magistral. Acho que a dificuldade de acompanhamento deve-se à ausência de cor das legendas (em amarelo era perfeito). Sem ler e/ou dominar o francês fica muito difícl, de facto
De facto tocas num ponto importante: a péssima legendagem. Quem não perceber o francês perde para aí um quarto dos diálogos do filme, em que há legendas brancas sobre fundos brancos. Não obstante, acho que Garrel não teve a coragem de 'deitar material fora' na hora da montagem.
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