Apesar de cada uma das três personagens principais de 'O Paraíso, Agora!' representar obviamente um ponto de vista (palestiniano) do conflito israelo-palestiniano, vemo-las ainda assim como seres de carne e osso e não meros estereótipos - e este é o primeiro trunfo do filme. Ambos os bombistas-suicidas, Khaled e Said, têm dúvidas, mas os seus motivos e comportamentos são muito diferentes. Há duas cenas fundamentais para os percebermos: Khaled depois de uma primeira tentativa abortada de ler o seu último discurso para uma câmara, à segunda esquece o papel e recomenda à mãe o melhor local para comprar filtros para a água. Não obstante estar sempre a falar em Ala, até ao fim é-lhe difícil esquecer os assuntos mundanos. Said é diferente: na sua suposta última noite, não resiste a ir a casa de Suha, a mulher por quem provavelmente está apaixonado. Depois de sair, pára e lança-lhe um último olhar. Este não é de hesitação. Said, filho de um colaboracionista que foi executado quando ele era ainda miúdo, sabe que o que vai fazer é inevitável; será talvez um vislumbre do que poderia ter sido a sua vida se a história não se lhe tivesse atravessado à frente. Pelo contrário Suha, filha de um herói, não tem dúvidas nenhumas: violência gera mais violência e o caminho não é aquele - mas não há nada que possa fazer. O segundo trunfo do filme é este: Hany Abu-Assad está mesmo interessado nos conflitos interiores das suas personagens, todas têm a sua simpatia e talvez todas reflictam alguma parte de si, do que ele pensa como palestiniano. Não há aqui uma história a preto e branco. Mas o facto de ser Said quem sobressai como a mais forte personagem do filme, aquela para onde se dirige a simpatia do espectador, não pode deixar de ser visto como uma nota pessimista do realizador. Said talvez nem acredite muito que a sua acção mude alguma coisa - mas entre não fazer nada e executá-la, não hesita. O seu destino era esse.
Paradise Now, França/Alemanha/Holanda/Israel, 2005. Realização: Hany Abu-Assad. Com: Kais Nashef, Ali Suliman, Lubna Azabal, Amer Hlehel, Hiam Abbass.
2 comments:
Gostei muito deste "Paradise Now", e acho-o um perfeito contracampo ao "Munich". Aquele último plano, então, é magnífico.
Também gostei muito! Dos filmes que mais gostei ver este ano (estreados em 2006, claro... porque tenho visto muito cinema nos locais já habituais ;)
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