...Tiago Ribeiro (aka Peeping Tom), 28 anos, autor do blogue Mil e tal Filmes para ver antes que apanhe a Peste. Lista com uma ordem indefinida:
Raging Bull, de Martin Scorsese
Scorsese encarou "Raging Bull" como o "tudo ou nada" na sua carreira, possível obra derradeira depois do esmagador insucesso de "New York, NewYork", e o que daí resultou foi uma vertigem de auto-destruição como raramente se viu no cinema. Formalmente espantoso, De Niro no papel da sua vida, "Raging Bull" é uma sinfonia de som e imagem à beira da implosão.
Close-Up, de Abbas Kiarostami
Pensava que depois de ter visto "Taste of Cherry", nada mais na obra deKiarostami me poderia espantar tanto. "Close-Up" é uma incisiva reflexão sobre o poder transcendental do cinema, um melodrama existencial, uma hipnotizante lição sobre a dignidade humana. Jogando sobre as variantes de"falso" e "verdadeiro", Abbas, em vez de nos confundir, apenas nos imerge ainda mais na estória. Os últimos minutos são antológicos, mais comoventes que 200 "tearjekers".
M, de Fritz Lang
Filme actualíssimo, por mais anos que passem. É só comparar a trama de "M"com as imagens das multidões histéricas à saída dos tribunais, presentes nos telejornais, para vermos que o filme seminal de Lang não ganhou uma única ruga. Peter Lorre, com os seus olhos de boneco animado, parece ainda estarno cinema mudo, mas com apenas três anos de sonoro, Fritz já estava noutro patamar de excelência técnica do que os seus colegas americanos. Todo o julgamento na cave é memorável, indicador preciso da nojenta hipocrisia dasmassas humanas. Genial.
Psycho, de Alfred Hitchcock
"The..the...bathroom". A hesitação de Norman Bates é a antevisão do horror que aí vem. Alusões sexuais, a solidão, o oportunismo, a culpa: é Hitch "allthe way", combinado com uma mestria técnica inultrapassável, ou como uma sucessão de planos aparentemente anódinos de um sabonete e de água a sair de um chuveiro podem instaurar imediatamente o campo da ameaça. Alfred realizouum dos mais profundos estudos da natureza humana, e o mais perverso de tudo, é que o fez sob a capa de filme "de género", atraindo um enorme sucesso de bilheteira.
Hana-Bi, de Takeshi Kitano
Num momento, vemos Beat Takeshi, calmo e contemplativo, a beber um copo; no segundo seguinte, está ele a espetar um pauzinho no olho de um bandido. Estas bruscas mudanças de tom são uma das marcas mais identificativas de Kitano, a par de um humor absurdo. Em "Hana-Bi", o nipónico acrescentaria um notável lirismo à sua gama de recursos, sobretudo utilizado nas melancólicas cenas com a sua mulher (a magnífica banda sonora de Joe Hisaishi também tem muito a ver com isto). A reter: uma sequência em slow motion, e uma sucessãode planos de figuras pictóricas, excertos brilhantes de uma obra maior.
Scorsese encarou "Raging Bull" como o "tudo ou nada" na sua carreira, possível obra derradeira depois do esmagador insucesso de "New York, NewYork", e o que daí resultou foi uma vertigem de auto-destruição como raramente se viu no cinema. Formalmente espantoso, De Niro no papel da sua vida, "Raging Bull" é uma sinfonia de som e imagem à beira da implosão.
Close-Up, de Abbas Kiarostami
Pensava que depois de ter visto "Taste of Cherry", nada mais na obra deKiarostami me poderia espantar tanto. "Close-Up" é uma incisiva reflexão sobre o poder transcendental do cinema, um melodrama existencial, uma hipnotizante lição sobre a dignidade humana. Jogando sobre as variantes de"falso" e "verdadeiro", Abbas, em vez de nos confundir, apenas nos imerge ainda mais na estória. Os últimos minutos são antológicos, mais comoventes que 200 "tearjekers".
M, de Fritz Lang
Filme actualíssimo, por mais anos que passem. É só comparar a trama de "M"com as imagens das multidões histéricas à saída dos tribunais, presentes nos telejornais, para vermos que o filme seminal de Lang não ganhou uma única ruga. Peter Lorre, com os seus olhos de boneco animado, parece ainda estarno cinema mudo, mas com apenas três anos de sonoro, Fritz já estava noutro patamar de excelência técnica do que os seus colegas americanos. Todo o julgamento na cave é memorável, indicador preciso da nojenta hipocrisia dasmassas humanas. Genial.
Psycho, de Alfred Hitchcock
"The..the...bathroom". A hesitação de Norman Bates é a antevisão do horror que aí vem. Alusões sexuais, a solidão, o oportunismo, a culpa: é Hitch "allthe way", combinado com uma mestria técnica inultrapassável, ou como uma sucessão de planos aparentemente anódinos de um sabonete e de água a sair de um chuveiro podem instaurar imediatamente o campo da ameaça. Alfred realizouum dos mais profundos estudos da natureza humana, e o mais perverso de tudo, é que o fez sob a capa de filme "de género", atraindo um enorme sucesso de bilheteira.
Hana-Bi, de Takeshi Kitano
Num momento, vemos Beat Takeshi, calmo e contemplativo, a beber um copo; no segundo seguinte, está ele a espetar um pauzinho no olho de um bandido. Estas bruscas mudanças de tom são uma das marcas mais identificativas de Kitano, a par de um humor absurdo. Em "Hana-Bi", o nipónico acrescentaria um notável lirismo à sua gama de recursos, sobretudo utilizado nas melancólicas cenas com a sua mulher (a magnífica banda sonora de Joe Hisaishi também tem muito a ver com isto). A reter: uma sequência em slow motion, e uma sucessãode planos de figuras pictóricas, excertos brilhantes de uma obra maior.
Night Of The Hunter, de Charles Laughton
Filme mítico, de culto, singular até ao tutano. Obra única do grande actor Charles Laughton, negra fábula sobre a infância acossada pela ganância dos adultos, "Night of The Hunter" é um prodígio experimental, sem nunca abandonar a âncora narrativa. Lembro-me, sobretudo, de uma sessão religiosa trabalhada sobre moldes expressionistas, mais parecendo estarmos a ver um comício no Inferno. Robert Mitchum, maquiavélico e delicioso na sua falsa candura, e Lilian Gish como a "avózinha" resistente: não há por onde dizer mal deste filme.
Great Dictator, de Charles Chaplin
Se Nanni Moretti afirmou que não era sua intenção ridicularizar Berlusconi,Chaplin não faz outra coisa senão isso em relação a Adolph Hitler. Aquele discurso inicial, paródia cacofónica do imperialismo dos discursos do Fuhrer, é ainda mais político do que o exuberante final, momento em que ofilme se desprende de si próprio, e só vemos o cidadão Chaplin como mensageiro humanista. Momento antológico sobre momento antológico, "Great Dictator" introduz o sonoro na filmografia de Charles, e significa também aprimeira pedra no longo caminho que daria ao seu exílio de terras americanas. Nunca mais se viu igual.
Triumph Des Willens, de Leni Riefenstahl
Antes da ridicularização, a apologia. Ou não? Se a cineasta alemã sempre desmentiu a convergência com as ideias nazis, "Triumph Des Willens" parece,à primeira vista, não lhe dar razão. "Apenas uma questão estética", disse ela, e é assim que eu olho para este magnífico filme, endeusamento de pessoas não tanto por aquilo que dizem, mas mais como o dizem. E se nunca se colocou em questão, pelo menos de forma tão veemente, a propaganda comunista nos filmes de Eisenstein, porquê desprezar por completo a suposta propaganda Nazi de "...Willens", mesmo tão fabulosamente trabalhada? Já lá vão mais desetenta anos, altura mais do que suficiente para uma maior distanciação.
Playtime, de Jacques Tati
O mundo é uma comédia, diz-nos" Playtime". Visão crítica mas felizmente não demagógica sobre o caos urbano e a impessoalidade que daí advém, aobra-prima de Tati é um filme conceptual como raramente houve e haverá. Antes do final carnavalesco, a irrisão terá o seu cume numa inacreditável longa sequência num restaurante, louco "tour de force" a propósito doprovincianismo de uma certa burguesia. Foi feito há quarenta anos, mas tem o look de amanhã. A ver, pelo menos, 10 vezes por ano.
Recordações da Casa Amarela, de João César Monteiro
Começa num magistral travelling pela zona ribeirinha de Lisboa, e termina com um Nosferatu renascido nos esgotos da capital. Monteiro começava a "dar-nos trabalho" com a sua primeira encarnação de João de Deus, dandy iconoclasta, amante de pintelhos e de boa comida, cujo sonho é "marchar sobre São Bento!". Acessível como não seriam os outros dois tomos da trilogia, "Recordações da Casa Amarela" presenteia-nos com uma Lisboa picaresca, alterna brejeirice do povo com a celestialidade de Holderlin, espeta-nos com o bacalhau de Quim Barreiros e as sinfonias de Mozart. Quanto a mim, o melhor filme português de todos os tempos.
Todas as semanas um blogger cinéfilo falará aqui de 10 filmes da sua vida. A próxima convidada é a Cláudia (Wasted Blues).
6 comments:
Gosto muito desta lista!
(exepção para Riefenstahl, da qual não vi quase nada mas também não quero...)
Partilho o gosto pelo Playtime de Tati, Great Dictator de Chaplin, Psycho e Raging Bull. "O Triunfo da Vontade" ainda hoje não me atrai, apesar do mérito artístico de Riefenstahl, que tem, na minha opinião, na sua última obra, "Impressionen unter Wasser" filmada já nos seus 90 e tais, o cume mais alto da sua longa carreira. Um autêntico delírio visual.
Aguardo a lista da Wasted :)
Cumprimentos.
LIstaça! Très bien! é bom ver César Monteiro por cá :-)
É incrível, mas partilho integralmente a lista desse sujeito.
Destacas 3 que bem podiam/podem estar na minha lista. Mas como isto das listas são coisas do momento, logo se vê :)
Grande lista mesmo! Night of the Hunter é dos meus mais recentes favoritos!
Com Kiarostami tenho uma relação de amor/ódio: gosto muito dos primeiros filmes dele, quando ainda trabalhava para o kanun e a temática era a da infância :)
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