Alain Resnais trouxe o Leão de prata de Veneza para o melhor realizador, por esta sua segunda adaptação à tela de uma peça de Alan Ayckbourn, e percebe-se porquê: a mise en scène, a fotografia, os cenários (aquele bar de hotel...) de Coeurs são magníficos. Substituí a palavra 'deslumbrantes' porque poderia sugerir ostentação ou exibicionismo, quando não há aqui nada disso.
Coeurs é menos ‘teatral’ que Smoking/No smoking, mas não descarta totalmente as suas origens. Passa-se praticamente todo em interiores e tem uma série de planos filmados em plongé, de apartamentos que uma personagem vai mostrando a outra, que sugerem estarmos na presença de cenários. Outro detalhe com que Resnais nos vai assinalando a sua presença, são as várias sequências filmadas através de ‘véus’, de cortinas, vidros, etc. Há também como que umas mudanças de cena, havendo uns separadores quando se vão alternando os segmentos (é um filme ‘mosaico’), uns nostálgicos planos da neve a cair, que se tornam uma espécie de marca do filme e com que uma estupenda cena quase no final fará raccord. Ou seja, há um domínio espantoso do realizador sobre o seu mundo, e vai-nos sabiamente envolvendo nele.
Mas não se pense que há aqui um vistoso embrulho sem conteúdo, que isto anda tudo ligado. Eu não classificaria o argumento, sobre meia dúzia de relações, sobre pessoas solitárias (superiormente interpretadas, claro está, pela habitual família de actores de Resnais), como o mais original do mundo, mas a maneira como é contado torna-o bastante próximo de nós. Comecei por sentir uma admiração distante por Coeurs, como a que senti por Smoking/No Smoking (um filme demasiadamente cerebral, para o meu gosto), mas depois tocou-me. É um filme vagamente triste, vagamente melancólico, pragmaticamente pessimista, se me consigo exprimir bem. E muito bem feito, mas com uma espécie de humildade que está ao alcance de poucos.
Coeurs, França/Itália, 2006. Realização: Alain Resnais. Com: Sabine Azéma, Isabelle Carré, Laura Morante, Pierre Arditi, André Dussollier, Claude Rich, Lambert Wilson.
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