Depois de atropelar algo (um cão, um miúdo?), Verónica ‘desliga’. Como que tem um apagão.
Esquece-se das coisas, não se lembra da filha, move-se como um fantasma. Os raios X que faz não revelam nada. Será que o cérebro obliterou algo? Ou o acidente foi apenas o pretexto para saltar de um vida programada, de gestos automáticos e rotineiros? Ou será que não foi o acidente mas a mudança de cor do cabelo? (para loiro, e é impossível não pensar em Madeleine/Judy).
Partindo deste argumento mínimo, Lucrecia Martel regressa aos seus temas de sempre: a alienação, o tédio, a rotina de uma certa classe média/alta argentina. Daí se convocar por vezes Antonioni a propósito da realizadora sul-americana.
Mas só num sentido muito lato a filiação faz sentido, pois o universo de Lucrecia Martel é pessoalíssimo e inconfundível. Embora ao terceiro filme mostre sinais de algum esgotamento. ‘A mulher sem cabeça’ é uma variação de ‘O pântano’ sem o efeito surpresa que este provocava no espectador, e não obstante os seus méritos (desde logo a realizadora filma muitíssimo bem – vejam-se os planos pouco convencionais; ou o som sempre em ‘primeiro plano’) eu senti algum cansaço ao ver o filme, uma sensação de déjà vu que se sobrepôs a tudo o resto.
E presumo que não fosse intenção da realizadora transferir de forma tão directa os sentimentos das suas personagens para o espectador.
La Mujer sin Cabeza, Argentina/México/Itália/Espanha, 2008. Realização: Lucrecia Martel. Com: Mercedes Morán, Maria Onetto, Ines Efron, Claudia Cantero, Cesar Bordon, Daniel Genoud, Guillermo Arengo, Maria Vaner.
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