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11.3.11

Os 2 da (Nova) Vaga


François Truffaut é oriundo da classe baixa parisiense, nunca conheceu o pai e é ignorado pela mãe. Foi um adolescente problemático, chegou a estar preso, e pode-se dizer que o cinema (viu milhares de filmes na adolescência) salvou a sua vida, dando-lhe um propósito. Jean-Luc Godard, pelo contrário, descende de uma família suíça de industriais e banqueiros, com ligação à cultura (o seu avô foi amigo de Paul Valéry) e era uma amante de carros rápidos. Mas também o cinema teria um papel crucial na sua formação, e o gosto comum com Truffaut (Renoir, Hitchcock, Rossellini ...) faria com que se tornassem amigos nos Cahiers.

A primeira hora de 'Os dois da Nova Vaga' relata os primeiros tempos destes dois críticos e cineastas, a sua amizade, a sua admiração mutua, a sua colaboração, os seus sucessos iniciais ('Os 400 golpes' e 'O acossado'), não trazendo nada de especialmente novo. Já a última meia hora me pareceu bastante mais interessante. Aí relata-se o inevitavel afastamento dos dois cineastas, a partir do Maio de 68 (que, como aqui se diz, foi antecipado em 3 meses pelos protestos da geração dos Cahiers contra o afastamento de Langlois da Cinématheque por André Malraux, o então ministro da cultura do general De Gaulle - Malraux, acrescente-se, que tinha defendido 'Os 400 golpes' como representante da França em Cannes, onde viria a ganhar a Palma de Ouro).

Há então como que uma ruptura no cinema francês. Godard opta pela via radical (o seu período 'revolucionário'), enquanto Truffaut se mantém fiel à arte 'pela beleza, pelas pessoas, pelo consolo'. Quando Godard lhe escreve manifestando a sua repulsa por 'A noite Americana', Truffaut responde-lhe furiosamente lembrando Matisse, que atravessou olimpicamente 3 guerras, enquanto pintava os seus peixes e as suas paisagens,  jamais os seus quadros reflectindo os horrores à sua volta. Nunca mais os dois cineastas falariam um com o outro.

Não é por acaso, digo eu, que em a 'Noite Americana', Alphonse, interpretado por Jean-Pierre Léaud (apresentado neste filme como o símbolo da dicotomia Trufaut - o seu 'pai '/Godard - o cineasta que lhe deu os papeis onde podia escapar da personagem Doinel) advoga que os filmes 'são mais harmoniosos do que a vida': era essa a visão de Truffaut (e, abro parêntesis, a minha. Não por acaso sempre preferi Trufaut - principalmente o do 'ciclo Doinel' -ao hiper-cerebral e ideológico Godard).

Resumindo, o realizador Emmanuel Laurent e o argumentista Antoine de Baecque (autor de uma recente biografia de Godard) não trazem aqui propriamente nada de novo, mas dão-nos um bom resumo da matéria, bem documentado com arquivos da época, permitindo-nos conhecer um pouco melhor dois dos mais importantes críticos e cineastas da história do cinema. Um filme indispensável, portanto, para qualquer cinéfilo que se preze.

Deux de la Vague, França, 2010. Realização: Emmanuel Laurent. Documentário.

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