Tal como explicava o título do filme anterior de Lucrecia Martel, todas as suas personagens viviam num 'pântano' existencial: os adultos levavam vidas narcóticas e frustradas, os adolescentes viviam angustiados e com duvidas. 'A rapariga santa' mantém estas características, mas concentra mais o espaço e o argumento. Dito de outra maneira, enquanto o tema do filme anterior era o próprio ambiente pesado e sufocante em que as personagens se moviam, aqui há uma 'história' para contar: a da relação entre uma adolescente, Amalia, que vive no hotel de que a mãe é proprietária (e onde se passa todo o filme), e um médico, o Dr.Jano, que participa numa conferência no hotel e um dia se 'encosta' nada inocentemente a ela. É-nos mostrada a perturbação que isto provoca em Amalia - que faz parte dum grupo coral com outras adolescentes, onde discutem os chamamentos divinos, com uma catequista que não está à altura, ou não tem paciência, para estas questões (Amalia e a amiga acham que ela está sempre a pensar no namorado). O tema do filme é, portanto, este conflito entre os apelos da fé e o despertar da sexualidade. Um tema familiar em cineastas de países com forte componente católica (basta pensar em Almodovar, que aliás é produtor do filme), mas que Lucrecia Martel não desenvolve linearmente. Vai andando às voltas, mostrando-nos a obsessão da mãe de Amalia pelo ex-marido, o seu tio Freddy a tentar telefonar para os filhos que estão no Chile com a ex-mulher, as pequenas histórias dos médicos que estão na conferência, deixando a câmara deambular pelos quartos, pela cozinha, pela piscina do hotel, envolvendo-nos neste ambiente onde está sempre presente a doença, algum mal estar, mas também o impulso sexual, o desejo. Por vezes faz lembrar o sanatório da 'Montanha mágica', devido a este microcosmos, a esta atmosfera estranha em que tudo é ampliado. Aliás, penso que vém daqui o maior mérito da realizadora: a sua capacidade de nos fazer respirar este ar sufocante em que vivem as suas personagens. O seu contraponto é a incapacidade que temos de nos envolver com elas, de nos identificarmos com qualquer uma delas. O lado frio e analítico da realizadora sobrepõe-se às suas personagens, mantendo-nos à distância admirando o 'espectáculo' mas impedindo-nos de lhe aderir totalmente.
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24.1.05
A rapariga santa
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Tal como explicava o título do filme anterior de Lucrecia Martel, todas as suas personagens viviam num 'pântano' existencial: os adultos levavam vidas narcóticas e frustradas, os adolescentes viviam angustiados e com duvidas. 'A rapariga santa' mantém estas características, mas concentra mais o espaço e o argumento. Dito de outra maneira, enquanto o tema do filme anterior era o próprio ambiente pesado e sufocante em que as personagens se moviam, aqui há uma 'história' para contar: a da relação entre uma adolescente, Amalia, que vive no hotel de que a mãe é proprietária (e onde se passa todo o filme), e um médico, o Dr.Jano, que participa numa conferência no hotel e um dia se 'encosta' nada inocentemente a ela. É-nos mostrada a perturbação que isto provoca em Amalia - que faz parte dum grupo coral com outras adolescentes, onde discutem os chamamentos divinos, com uma catequista que não está à altura, ou não tem paciência, para estas questões (Amalia e a amiga acham que ela está sempre a pensar no namorado). O tema do filme é, portanto, este conflito entre os apelos da fé e o despertar da sexualidade. Um tema familiar em cineastas de países com forte componente católica (basta pensar em Almodovar, que aliás é produtor do filme), mas que Lucrecia Martel não desenvolve linearmente. Vai andando às voltas, mostrando-nos a obsessão da mãe de Amalia pelo ex-marido, o seu tio Freddy a tentar telefonar para os filhos que estão no Chile com a ex-mulher, as pequenas histórias dos médicos que estão na conferência, deixando a câmara deambular pelos quartos, pela cozinha, pela piscina do hotel, envolvendo-nos neste ambiente onde está sempre presente a doença, algum mal estar, mas também o impulso sexual, o desejo. Por vezes faz lembrar o sanatório da 'Montanha mágica', devido a este microcosmos, a esta atmosfera estranha em que tudo é ampliado. Aliás, penso que vém daqui o maior mérito da realizadora: a sua capacidade de nos fazer respirar este ar sufocante em que vivem as suas personagens. O seu contraponto é a incapacidade que temos de nos envolver com elas, de nos identificarmos com qualquer uma delas. O lado frio e analítico da realizadora sobrepõe-se às suas personagens, mantendo-nos à distância admirando o 'espectáculo' mas impedindo-nos de lhe aderir totalmente.
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