Recent Posts

29.6.08

A rapariga cortada em dois



A recepção crítica aos pioneiros da Nouvelle Vague tem sido bastante diversa com o passar dos anos: enquanto Rohmer e Rivette continuam a ter muito boas criticas, Godard caiu numa espécie de limbo e Chabrol, para aí desde os anos 80 que tem mais quem lhe torça o nariz que quem o admire (e os últimos filmes de Truffaut também já não eram nada consensuais).

Eu não me queixo nada de Chabrol, nomeadamente dos seus filmes dos anos 2000, que me têm parecido todos muito bons. Quando estava a ver este 'A rapariga cortada em dois' pensei mesmo em Woody Allen, e como este filme poderia ser o 'Match Point' de Chabrol, o filme que o reconciliaria com a crítica. Mas parece que não foi o caso e é pena.

No mínimo, podemos dizer que a ironia do realizador francês se tem refinado com a idade, e que atinge picos demolidores nesta última obra, em que volta aos seus temas e personagens de sempre (os burgueses, o crime, a loucura, o campo e a cidade, etc., etc.).

Gabrielle (excelente Ludivine Sagnier) é a apresentadora da meteorologia de um canal de TV local, que rapidamente chama sobre si as atenções de duas das mais famosas personagens da terra: o célebre e premiado escritor cinquentão Charles Saint-Denis (excelente François Berléand), que apesar de casado é um notório sedutor e conquistador, e o Gaudens 'filho', o jovem herdeiro da família mais abastada do local, um dandy desequilibrado e mimado (superiormente interpretado por Benoît Magimel num registo à beira da caricatura), a quem não falta uma espécie de acompanhante protector que evita que ele faça asneiras. Gabrielle deixa-se seduzir pelo intelectual mais velho, o que só lhe trará desgostos (dupla ironia do realizador?), que tentará esquecer nos braços do mais jovem (o que lhe trará ainda mais desgostos).

Todas as personagens são obviamente estereotipadas, notando-se o grande gozo de Chabrol ao criá-las, desde logo nos nomes: o escritor chama-se na realidade Charles Denis, mas acrescentou o 'Saint' (e passa o filme a repetir que a mulher, a quem põe alegremente os cornos, é uma Santa!); Paul André Claude Gaudens só é conhecido pelo 'Gaudens filho'; e a rapariga chama-se Gabrielle Aurore (enquanto que a mãe e irmãs do Gaudens filho chamam-se Dona, Joséphine e Eléonore). Nada de admirar, se nos lembrarmos que a juíza justiceira de 'A comédia do poder' se chamava Jeanne Charmant-Killman...

Como disse, a mordacidade de Chabrol está no seu auge, e se há talvez mais leveza nos seus últimos filmes, tal deve-se à sabedoria de um quase octogenário (78 anos feitos há dias), cuja quase invisibilidade da mise en scéne não devemos confundir com menor capacidade, mas sim com uma espécie de austeridade e despojamento do superficial à sua maneira.

Um filme delicioso.
La Fille Coupée en Deux, França/Alemanha, 2007. Realização: Claude Chabrol. Com: Ludivine Sagnier, Benoît Magimel, François Berléand, Mathilda May, Caroline Sihol .

0 comments: