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17.11.11

Giallo!


Parte da grandeza do cinema italiano vem da capacidade que teve para gerar géneros (ou subgéneros) autóctones, que em muito marcaram a história do cinema: desde logo o peplum (Sword And Sandal, chamam-lhe pragmaticamente os anglo-saxónicos) e a 'comédia à italiana', mas também (sub)géneros mais associados a 'séries B',  notoriamente o western spaghetti e o giallo.

O giallo (à letra 'amarelo', cor das capas dos livros de detectives lançados no final dos anos 20 pela editora Mondadori) é talvez o género mais difícil de definir. "The Italian sub-genre that combined barroque horror with the detective thriller" é como é apresentado na entrada sobre Mario Bava do Rough Guide to Movies, e não me parece mal.

Mario Bava, precisamente, é considerado o pai dos gialli. Director de fotografia desde o inicio dos anos 40 (de filmes de Jacques Tourneur ou Raoul Walsh, por exemplo) , estreou-se atrás das câmaras em 1960 com 'A máscara do demónio', um clássico instantâneo do horror gótico. Três anos depois dirigiria aquele que é geralmente considerado o primeiro giallo: 'A rapariga que sabia demasiado' (embora o conceito do género seja tão lato que haja quem atribua a sua paternidade a 'Ossessione' de Visconti...).

Embora assumida e obviamente devendo muito a Hitchcock, neste excelente filme de Bava com efeito já estão presentes muitas das marcas dos futuros gialli: há um assassino em série, há um estrangeiro que se encontra em Itália, se vê metido por acaso na trama, e que vai investigar por conta própria (uma constante nos filmes de Argento), há muita psicanálise metida ao barulho (até ao fim põe-se a hipótese de tudo não passar da imaginação da protagonista), há muito estilo no modo de filmar, e há até uma 'solução' que envolve duas pessoas (outra constante em Argento). Ainda faltam aqui outras características marcantes, como a fotografia de cores berrantes (o filme é a preto e branco) e o gore em geral, mas esses chegariam no filme seguinte de Bava, de 1964,  'Sei donne per l'assassino' (ou 'Blood and Black Lace', que estes filmes eram sempre dobrados quer em italiano quer em inglês).


Os dados estavam então lançados, mas o género só se tornaria uma força equivalente aos spaghetti, aos peplum ou aos filmes de terror, já na entrada da década de 70, quando o mais dotado dos discípulos de Bava se estreou na realização: Dario Argento, um conceituado argumentista (com Leone e Bertolluci de 'Aconteceu no Oeste', por exemplo), que com 'O pássaro com plumas de cristal' (1970) reinventou o giallo, permanecendo o filme como uma das melhores primeiras obras do cinema.

Se alguém quiser ver um giallo que veja este, que está lá tudo, desde os peculiares e e influentíssimos movimentos de câmara de Argento, da sua composição 'operática' das cenas  - a sequência do assassinato inicial, digna de Hitch, tem 3 longos minutos e 66 planos - até às obsessões perenes do realizador, como a testemunha ocular que tem muito freudianamente que voltar ao local do crime até se lembrar do que efectivamente aconteceu, e que de uma forma quase paranóica não desiste de encontrar o culpado. Acrescentem-se os nomes de Ennio Morricone e Vittorio Storaro (para os mais distraidos: um dos maiores compositores de bandas sonoras e um dos maiores directores de fotografia da história do cinema) à ficha técnica e admire-se o que Argento conseguiu na sua estreia.

Argento faria outros filmes que carregam mais no lado do sobrenatural (como o muito famoso 'Suspiria'), mas na minha opinião só voltou a atingir a força desta sua primeira obra noutro giallo 'puro', que é uma espécie de refinamento do 'Pássaro...': 'Profondo Rosso', com David Hemmings (o actor de 'Blow Up'), em que Argento exponencia o grau de violência e introduz o rock progressivo (dos Goblin) na banda sonora, outra inovação que toda a gente adoptaria depois dele. 'Profondo Rosso' permanece talvez como a sua obra mais carismática.

Se, como vimos, Mario Bava é o pai do giallo e Dário Argento o filho que deu continuidade e superou a obra do pai, a Santíssima Trindade do género é completada com Lúcio Fulci, que não será bem o Espírito Santo, mas mais uma espécie de Anjo demente.

Ao contrário de Argento (que praticamente se cingiu ao género ‘giallo/terror’ e o elevou a um patamar único), Fulci tocou em todos os subgéneros 'série B' imagináveis (é, por exemplo,  realizador do inclassificável 'Zombi 2').

Senhor de um estilo muito próprio, mais ‘cru’ e menos estilizado que o do restante trio, atingiu o seu cume no giallo com o magnífico ‘Non si sevizia un paperino'  (Don't Turture a Duckling', 1972), em que sugere que tanto ou mais perigoso que o assassino de crianças que anda à solta numa terriola italiana, é a própria comunidade retrógrada e altamente preconceituosa, que lincha sem grandes problemas de consciência o suspeito (errado) mais ‘óbvio’: a bruxa da aldeia… E as maldades de Fulci não se ficam por aqui: só vendo.

Há inúmeros outros realizadores que se dedicaram ao género, e aqui podem-se encontrar os mais desvairados exemplos, a maior parte deles carregando mais na nudez e no sexo que os filmes dos mestres, e - acrescente-se - muitos deles com títulos fabulosos (como por exemplo 'Your Vice is a Locked Room and Only I Have the Key', um belo filme de Sergio Martini muito livremente inspirado no famoso conto de Poe, 'O gato negro') .

Eu, por mim,  posso dizer que desde que andei a ver spaghettis que não me divertia tanto nem ficava tão 'viciado' em descobrir novos filmes.

Gialli essenciais:
O pássaro das plumas de cristal, Dario Argento, 1970 (****1/2)
Profondo Rosso/O mistério da casa assombrada, Dario Argento, 1975 (****1/2)
Non si sevizia un paperino, Lucio Fulci, 1972 (****)
A rapariga que sabia demasiado, Mario Bava, 1960 (****)
Sei donne per l'assassino, Mario Bava, 1964 (***)

3 comments:

My One Thousand Movies said...

Tu prometeste, e cá está.
Por acaso tmb gostei muito de descobrir este género. Podia ter incluido mais filmes, mas depois a qualidade caía.
Alguns ficaram de fora porque foi de todo impossivel arranjar.
Mas penso que ficou um ciclo bastante interessante.
Lá para Janeiro a ver se faço um especial com mais alguns western spaghettis.

Abraço

Loot said...

Eu descobri recentemente o terror italiano no geral graças a uma tertúlia que lhe foi dedicada.

E estou também a adorar, não só o Giallo, mas também filmes como o mencionado Máscara do demónio ou outro do Bava muito bom que é o Black Sabbath. Este filme é a razão pela qual a banda tem este nome.

Quanto ao Giallo comprei a caixa que colocas no post do Argento e depois vou seguir para o Fulci que mencionas :)

Abraço

Unknown said...

O ciclo foi fantástico, ainda tenciono ver todos os Argentos que me faltam e também os Bava que o Loot menciona.

Um especial com western spaghettis era muito fixe, é muito dificil comprar filmes desse género...